quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Poemas e analise

Na Mão de Deus

Na mão de Deus, na sua mão direita, 
Descansou afinal meu coração. 
Do palácio encantado da Ilusão 
Desci a passo e passo a escada estreita. 

Como as flores mortais, com que se enfeita 
A ignorância infantil, despojo vão, 
Depois do Ideal e da Paixão 
A forma transitória e imperfeita. 

Como criança, em lôbrega jornada, 
Que a mãe leva ao colo agasalhada 
E atravessa, sorrindo vagamente, 

Selvas, mares, areias do deserto... 
Dorme o teu sono, coração liberto, 
Dorme na mão de Deus eternamente! 

Antero de Quental, in "Sonetos" 

Enviando «Na mão de Deus», desde Vila do Conde, a um amigo, escrevia-lhe Antero: «O meu pessimismo tem-se desvanecido com esta vida contemplativa no meio da boa natureza». Com o presente poema convém confrontar as seguintes palavras, que são de outra carta: «a nossa vida… verdadeiramente é só a vida da nossa alma, do misterioso e sublime eu que somos no fundo: ora esse Eu ou essa alma tem a sua esfera na região do impessoal: o seu mundo é o da abnegação, da pureza, da paciência e do contentamento: na renúncia do indivíduo natural e de tudo quanto o limita, algema e obscurece é que consiste a sua misteriosa individualidade». É esta renúncia que transluz dos versos:
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita;
porém, o conjunto do soneto não se harmoniza com a primeira parte do citado trecho, muito mais luminosa do que ele é: e para justificar que se classifique o poema como de evasão basta notar que o coração, aí, vai para a mão de Deus, é verdade ‑ mas para nela dormir eternamente.
          

Evolução

Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo 
tronco ou ramo na incógnita floresta... 
Onda, espumei, quebrando-me na aresta 
Do granito, antiquíssimo inimigo... 

Rugi, fera talvez, buscando abrigo 
Na caverna que ensombra urze e giesta; 
O, monstro primitivo, ergui a testa 
No limoso paúl, glauco pascigo... 

Hoje sou homem, e na sombra enorme 
Vejo, a meus pés, a escada multiforme, 
Que desce, em espirais, da imensidade... 

Interrogo o infinito e às vezes choro... 
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro 
E aspiro unicamente à liberdade. 

Antero de Quental, in "Sonetos" 

O Absoluto hegelianismo deste soneto justifica-se pela explicação da dialética do ser ‑ o que foi («Fui rocha», «fui…/Tronco ou ramo na incógnita floresta») e o que é («Hoje sou homem») ‑ concentrada na aspiração da liberdade («E aspiro a única liberdade»). O tipo de evolução aqui descrito segue primeiro o princípio biológico de uma passagem material de espécie para espécie ‑ o ter sido rocha para o ser homem ‑ sem que se perca a relação substancial que as liga. As quadras e o primeiro terceto dão conta deste evolucionismo biológico, fechando o soneto com três versos de profunda inspiração hegeliana. Para António Sérgio, o conceito de liberdade aqui apresentado inspira-se no sistema de Hegel apenas por afirmar a «liberdade como mola do mundo espiritual, como impulso e finalidade do Universo»), porém deve acrescentar-se que o principal termo de aproximação é a liberdade do querer ‑ Antero diz adoro e aspiro ‑ tal como em Hegel o principal fim da vontade humana é atuar livremente.

Cf. a temática deste soneto com a doutrina expressa pelo filósofo nas Tendências Gerais da Filosofia na 2.ª metade do Século XIX «Uma ideia instintiva lateja surdamente, como uma pulsação de vida, nesse universo que a ciência mede e pesa, mas não explica: é a aspiração profunda de liberdade, que abala as moles estelares como agita cada uma das suas moléculas, que anima o protoplasma indeciso como dirige a vontade dos seres conscientes. É esse fim soberano, realizado em esferas cada vez mais largas, que torna efetiva a evolução das coisas.» ‑ Cf. ainda a ode «Panteísmo», já estudada, e o que já referimos sobre a filosofia de Hegel.

Recorde-se ainda que a ideia de evolução domina a renovação ideológica da segunda metade do século XIX: a evolução é um dos aspetos da crença no progresso e relaciona-se com a publicação da obra de Darwin, Origem das Espécies (1859), segundo a qual o homem, dotado de consciência, derivara de formas primitivas e elementares. (Cf. versos 1-8).

Notar o contraste entre o passado, isto é, as várias fases da evolução (cf. a escada multiforme) e o presente, termo da evolução, espiritualização da matéria (vs. 9-14): «Fui rocha em tempo, fui... /Hoje sou homem.»

Antero Apolíneo e Antero Dionisíaco

Apolíneo e o Dionisíaco é um conceito filosófico e literário ou dicotomia, com base em certas características da antiga mitologia grega. Muitos filósofos ocidentais e autores literários têm utilizado está dicotomia em trabalhos críticos e criativos. 
Na mitologia grega, Apolo e Dionísio são ambos filhos de Zeus. Apolo é o deus da razão e o racional, enquanto que Dionísio é o deus da loucura e do caos. Os gregos não consideravam os dois deuses como opostos ou rivais, embora, muitas vezes, as duas divindades foram entrelaçadas por natureza.
O Apolíneo é o lado da razão e do raciocínio lógico. Por outro lado, o Dionisíaco é o lado do caos e apela para as emoções e instintos. O conteúdo de todas as grandetragédias é baseado na tensão criada pela interação entre esses dois.
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Conferencias democráticas do Casino Lisbonense

Série de conferências - também conhecidas simplesmente por Conferências do Casino - levadas a público em 1871, em Lisboa, por iniciativa do chamado grupo do Cenáculo, de que faziam parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Jaime Batalha Reis, Salomão Sáragga, Manuel Arriaga e Guerra Junqueiro. Este é o ponto mais alto da Geração de 70. Visavam abrir um debate sobre o que de mais moderno, a nível de pensamento, se vinha fazendo lá fora. Aproximar Portugal da Europa era o objetivo máximo, anunciado, aliás, no respetivo programa.
O programa das Conferências, que surgiam como uma espécie de consequência natural das discussões ideológicas travadas no Cenáculo, anunciava "ligar Portugal com o movimento moderno", "agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência Moderna" e "estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa".
A conferência inaugural, intitulada "O espírito das conferências", foi proferida por Antero de Quental, que afirmou a necessidade de regenerar Portugal "pela educação da inteligência e pelo fortalecimento da consciência dos indivíduos". Na segunda conferência, o mesmo Antero analisou as "Causas da decadência dos povos peninsulares", que, na sua opinião, correspondiam ao catolicismo pós-tridentino, que impôs o obscurantismo à centralização política das monarquias absolutas, que determinou o aniquilamento das liberdades locais e individuais, e à política expansionista ultramarina, que impediu o desenvolvimento da pequena burguesia. A terceira conferência, intitulada "A literatura portuguesa", foi pronunciada por Augusto Soromenho, que denunciou a decadência da literatura portuguesa e defendeu a necessidade de "dar por base à educação a moral, o dever, do que aproveitará a literatura". A quarta conferência, "A Nova Literatura (O Realismo como nova expressão da Arte)", foi proferida por Eça de Queirós, que aí lançou os fundamentos da sua conceção de Realismo, influenciada por Flaubert, Proudhon e Taine. A quinta conferência coube a Adolfo Coelho, que avançou algumas propostas revolucionárias para a reorganização do ensino em Portugal, a mais importante das quais consistia na "separação completa do estado e da igreja".
As conferências foram interrompidas antes da sexta, que seria dita por Salomão Sáragga e que versaria sobre os críticos históricos de Jesus, por portaria ministerial do Marquês de Ávila e Bolama, onde se alegava que nas conferências se tinham sustentado "doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do estado". Os conferencistas reagiram contra a proibição com um protesto público, com o qual se solidarizaram vários intelectuais, como Alexandre Herculano, que acudiram em defesa da liberdade de expressão.
De qualquer modo, entre os intelectuais portugueses, ficou o gérmen da modernidade do pensamento político, social, pedagógico e científico que na França, na Alemanha e na Inglaterra se fazia sentir. Este espírito revolucionário e positivista dominava a maioria da jovem classe pensante.
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Geração de 70

Assim se designa o grupo de jovens intelectuais portugueses que, primeiro em Coimbra e depois em Lisboa, manifestaram um descontentamento com o estado da cultura e das instituições nacionais. O grupo fez-se notar a partir de 1865, tendo Antero de Quental como figura de proa e de maior profundidade reflexiva, e integrando ainda literatos como Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Teófilo Braga, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis e Guilherme de Azevedo. Juntos ou, como sucedeu mais tarde, trilhando caminhos de certa forma divergentes, estes homens marcaram a cultura portuguesa até ao virar do século (se não mesmo até à República), na literatura e na crítica literária, na historiografia, no ensaísmo e na política.
Os homens da Geração de 70 tiveram possibilidade e, sobretudo, apetência de contacto com a cultura mais avançada da Europa como não se via em Portugal desde o tempo da formação de um Garrett e de um Herculano. Puderam, pois, aperceber-se da diferença que havia entre o estado das ciências, das artes, da filosofia e das próprias formas de organização social no país e em nações como a Inglaterra, a França ou a Alemanha. Em consequência, esta juventude cosmopolita nas leituras, liberal e progressista não se revia nos formalismos estéticos que grassavam nem naquilo que consideravam ser a estagnação social, institucional, económica e cultural a que assistiam.
O seu inconformismo havia de se manifestar em diversas ocasiões, com repercussões públicas dignas de registo. Em 1865 é despoletada a chamada Questão Coimbrã, que opôs o grupo, a pretexto de uma obra literária de mérito discutível, ao ultrarromantismo instalado que António Feliciano de Castilho personificava. Travou-se uma acesa polémica, à qual subjaziam grandes diferenças ao nível das referências estéticas mas também ideológicas. O grupo reunir-se-ia depois na capital, formando o Cenáculo, e em 1871 organizou as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, com as quais chamou definitivamente a atenção da sociedade.
Nos anos seguintes, embora a atitude de crítica e de intervenção cultural e política se mantivesse, os membros do grupo foram definindo caminhos pessoais independentes, ora dedicando-se mais a umas atividades, ora a outras. Antero suicidou-se em 1891, e dir-se-ia que esse gesto simboliza o destino destes homens a caminho do final do século, em desilusão progressiva com o país e o sentido das suas próprias vidas.
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Questão Coimbrã

Também conhecida como a Questão do Bom Senso e Bom Gosto, foi uma das mais importantes polémicas literárias portuguesas e a maior em todo o século XIX que, como explica Margarida Vieira Mendes, "alastrou de forma explosiva, de novembro de 1865 a julho do ano seguinte, em cartas, crónicas e artigos de imprensa, opúsculos, folhetins, poesias e textos satíricos, alusões em conferências (...) ou mesmo discursos parlamentares" (in Dicionário do Romantismo Literário Português, Editorial Caminho, 1997). Foi desencadeada em Coimbra por um grupo de jovens intelectuais que vinham reagindo contra a degenerescência romântica e o atraso cultural do país. 

A polémica começou em outubro de 1865, quando António Feliciano de Castilho aludiu, na carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, à moderna escola de Coimbra e à sua poesia ininteligível, ridicularizando o aparato filosófico e os novos modelos literários de que ela se nutria ("temporal desfeito de obras, de encómios, de sátiras, de plásticas, de estéticas, de filosofias e de transcendências"), numa referência provável às teorias filosóficas e poéticas expostas nos prefácios a Visão dos Tempos Tempestades Sonoras (ambas de 1864), de Teófilo Braga, e na nota posfacial das Odes Modernas, de Antero de Quental (de julho de 1865). Para além disso, António Feliciano de Castilho fez elogios rasgados a Pinheiro Chagas, chegando ao ponto de propor o jovem poeta para reger a cadeira de Literatura no Curso Superior de Letras.

Sentindo-se visado, Antero de Quental respondeu com o panfleto Bom Senso e Bom Gosto, carta ao Ex.mo. Sr. António Feliciano de Castilho, em que definiu "a bela, a imensa missão do escritor" como "um sacerdócio, um ofício público e religioso de guarda incorruptível das ideias, dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras", que exige, por um lado, uma alta posição ética, por outro lado, uma total independência de pensamento e de carácter. Como consequência, e numa clara alusão a Castilho, Antero repudiava a poesia que cultiva a "palavra" em vez da "ideia"; a poesia decorativa dos "enfeitadores das ninharias luzidias"; a poesia conservadora dos que "preferem imitar a inventar; e a imitar preferem ainda traduzir"; em suma, a poesia que "soa bem, mas não ensina nem eleva". 

Estavam marcadas as posições: de um lado os intelectuais conservadores; do outro a nova geração, aberta às recentes correntes europeias. Seguiram-se "Bom Senso e Bom Gosto, folhetim a propósito da carta...", de Pinheiro Chagas, que acorreu em defesa de Castilho, e, do lado dos coimbrões, os folhetos Teocracias Literárias, de Teófilo Braga, e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, de Antero. Neste texto, Antero repudiava uma vez mais "as literaturas oficiais, governamentais, subsidiadas, pensionadas, rendosas, para quem o pensamento é um ínfimo meio e não um fim grande e exclusivo" e preconizava uma literatura que "se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação e até aos sentidos, toma o homem por todos os lados; toca por isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública; dispõe os espíritos; determina certas correntes de opinião; combate ou abre caminho a certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço onde se há de receber esse misterioso filho do tempo - o futuro".

Embora de origem literária, a questão alargou-se a outras áreas como a cultura, a política e a filosofia. Esta refrega durou mais de um ano e envolveu nomes que já eram ilustres, como Ramalho Ortigão e Camilo C. Branco. Os artigos, folhetins e opúsculos em apoio de uma e de outra parte multiplicaram-se, até que, a partir de março de 1866, a polémica começou a declinar em quantidade e qualidade.

No entanto, a rotura provocada pela Questão Coimbrã iria abalar irreversivelmente as estruturas socioculturais do país, lançando as sementes para o debate de ideias e o projeto de reforma das mentalidades que norteariam a intervenção da que viria a ser a Geração de 70. Aquela que constituiu a polémica mais importante da nossa história literária, pois nela participou, em uma ou outra frente, praticamente toda a intelligentsia da época, fez emergir uma geração nova, protagonista de uma revolução cultural e literária cuja amplitude ultrapassaria até a do próprio Romantismo.

Antero de Quental

Biografia e Vida

Antero de Quental (1842-1891) foi um poeta e filósofo português. Foi um verdadeiro líder intelectual do Realismo em Portugal. Dedicou-se à reflexão dos grandes problemas filosóficos e sociais de seu tempo. Contribuiu para a implantação das ideias renovadoras da geração de 1870.
Antero de Quental (1842-1891) nasceu na localidade de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, nos Açores, Portugal, no dia 18 de abril de 1842. Filho do combatente Fernando de Quental e Ana Guilhermina da Maia iniciou seus estudos em Ponta Delgada. Com 16 anos foi estudar Direito em Coimbra. Em 1861 publicou "Sonetos de Antero".
Em 1865, um grupo de estudantes da Universidade de Coimbra, critica as velhas ideias do Romantismo, o que fez surgir uma polêmica entre a velha e a nova geração de poetas. Essa manifestação originou-se de um texto do poeta romântico Antônio Feliciano de Castilho, no qual ele criticava as novas ideias literárias de Antero de Quental e Teófilo Braga. Antero responde de maneira violenta, escrevendo uma carta aberta que foi divulgada com o título de "Bom senso e bom gosto", nela Antero acusa Castilho de obscurantismo e defende a liberdade de pensamento dos novos escritores. Essa polêmica ficou conhecida como a "Questão Coimbrã. Neste mesmo ano ele publica "Odes Modernas".
Em 1866, foi morar em Lisboa, onde trabalhava numa tipografia. No ano seguinte foi para Paris, só regressando para Lisboa em 1868. Em 1869, fundou o jornal "A República". Em 1871, junto com Eça de Queirós, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, planeja uma série de "Conferências Democráticas", que eram realizadas no Cassino Lisbonense. Em 1872, publicou "Primaveras Românticas".
O programa da conferência dizia, entre outras coisas, da preocupação com a transformação social, moral e política dos povos, da necessidade de ligar Portugal com os movimentos modernos de agitar na opinião pública as grandes questões da filosofia e da ciência e realizar transformações na política, economia e religião da sociedade portuguesa. Depois da quinta conferência, por decreto real, o cassino foi fechado.
Antero de Quental expressa em seus sonetos a sua inquietação religiosa e metafísica constituindo a parte mais importante de sua obra: "Sonetos de Antero" (1861), "Primaveras Românticas" (1872), "Sonetos Completos" (1886) e "Raios de Extinta Luz" (1892). É considerado, ao lado de Bocage e Camões, os grandes sonetistas da literatura portuguesa.
Antero Tarquínio de Quental sofrendo de depressão, se suicida no dia 11 de setembro de 1891, em Ponta Delgada, Portugal, sua terra natal.
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Os Cinco Sentidos

São belas - bem o sei, essas estrelas,
Mil cores - divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
      Em toda a natureza
      Não vejo outra beleza
      Senão a ti - a ti!

Divina - ai! sim, será a voz que afina
Saudosa - na ramagem densa, umbrosa.
será; mas eu do rouxinol que trina
      Não oiço a melodia,
      Nem sinto outra harmonia
      Senão a ti - a ti!

Respira - n'aura que entre as flores gira,
Celeste - incenso de perfume agreste,
Sei... não sinto: minha alma não aspira,
      Não percebe, não toma
      Senão o doce aroma
      Que vem de ti - de ti!

Formosos - são os pomos saborosos,
É um mimo - de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... sequiosos,
      Famintos meus desejos
      Estão... mas é de beijos,
      É só de ti - de ti!

Macia - deve a relva luzidia
Do leito - ser por certo em que me deito.
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
      Sentir outras carícias,
      Tocar noutras delícias
      Senão em ti! - em ti!

A ti! ai, a ti só os meus sentidos
      Todos num confundidos,
      Sentem, ouvem, respiram;
      Em ti, por ti deliram.
      Em ti a minha sorte,
      A minha vida em ti;
      E quando venha a morte,
      Será morrer por ti.

Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas' 

 Temática- o amor - intenso,sincero, carnal.
 -o sujeito poético aborda a problemática de cada sentido e a relação destes com a mulher.
-constituído por 6 estrofes, correspondem as 5 primeiras à caracterização superlativada do tu, sendo a ultima estrofe uma confirmação  da planificação do poema, em que todos os sentidos  se confundem num só, com um desfecho num "delírio" total.

- na primeira estrofe o olhar: sentido sensual que pode ser usado à distancia; 

 - o sujeito poético estabelece uma relação entre a Natureza e mulher, referindo qual é a sua relação com ela;
- a sobrevalorização da mulher pode ser verificada na utilização da conjunção adversativa  mas  ,o advérbio de exclusão Senão; na repetição a ti e na exclamação final.
- na segunda estrofe, na relação que estabelece entre a mulher e a Natureza, a figura feminina é considerada superior quando comparada aos elementos da segunda; por exemplo, o rouxinol é considerado o exemplo máximo do canto harmonioso que, neste texto, é secundário para o sujeito poético que apenas tem ouvidos para a amada;
  
 - nterceira estrofe, a mulher é, de novo, caracterizada como superior à Natureza, sendo reforçada esta ideia de exclusividade da perfeição da amada pelas expressões...; esta é a mulher-anjo da estética romântica, possuidora das características da Natureza, é-lhe, no entanto, superior; 
  
 -na quarta estrofe, É a mulher mais próxima e sensual;
- o sentido aqui abordado, o paladar,  apenas pode ser concretizado, digamos, através do contacto físico;
        
- o carácter erótico do amor que se vinha notando desde o início é aqui reforçado pela quase apropriação física da mulher;

- na quinta estrofe, o sentido é o tato , sendo que a relva é uma metáfora do corpo humano;
 - todo o discurso do eu se destina à mulher; estão presentes e a 2ª pessoa, tu e tiestes dois aspectos conferem ao poema o seu carácter para-teatral; 

- em cada uma das estrofes, o sujeito poético enquadra o tu no meio de elementos da Natureza, em que é clara a existência de uma comparação. No entanto, o tu sai dela sublimado: na 1ª est. é comparado a floresestrelas; na 2ª, ao rouxinol; na 3ª, ao incenso de perfume agreste; na 4ª, aos pomos saborosos e ao racimo de néctar e na 5ª est., à relva luzidia.

- na 6ª estrofe e como já referido no início desta análise, assistimos à planificação do poema em que todos os sentidos se confundem = delírio dos sentidos = desordem essa já evidenciada na acumulação de formas verbais do verso
- de salientar a presença de duas realidades absolutas, Amor e Morte, cuja associação é já conhecida na poesia romântica;
- possível estabelecer um paralelo entre este poema e a lírica trovadoresca = ideia da Morte de Amor por... das cantigas de Amor = impossibilidade de comunicação que conduz à morte poética ou fingimento poético; em Garrett, assistimos ao excesso de felicidade e de prazer que conduz à morte psicológica;


       - aspectos temáticos que evidenciam a presença do Romantismo: ligação Amor/Morte; ligação Amor/Natureza; valorização da sensualidade e sobrevalorização da Mulher;

- clima erótico entre EU/TU é realçado pela variação do refrão e pelo valor das preposições que nele alternam.

Já a estrofe final, como que uma finda, apresenta uma outra combinação de rimas: aabbcdcd.

 

 O Romantismo só se constitui depois de 1836, como escola  com os seus adeptos menores, revistas e o seu público.
 O Romantismo português participa das características do Romantismo Europeu em geral; o Eu exibe-se liricamente na singularidade dos sentimentos e da imaginação, como explica o nacionalismo estético ("tudo o que se fizer há de ser pelo povo e com o povo").
 Tem o gosto de evocar a Idade Média.Camilo defende contra a sociedade os direitos dos que amam, mas a nota dominante é a do espiratualismo cristão, a metafisica do pecado, da penitência e do resgate, de mistura com o fatalismo radicado na mente popular e na literatura, como podemos observar, por exemplo, em Amor de Perdição.
 Por outro lado, o Romantismo constitui uma tomada de consciência, a conquista dum senso histórico e de um senso crítico aplicado aos fenómenos da cultura (Garrett, A. P. Lopes de Mendonça). O Homem relaciona-se com o meio a que pertence e com a época de que é produto.
  Existem alguns traços que são particularmente do Romantismo Português: ligado à Revolução liberal de 1820, à emigração, à vitória sobre os miguelistas e à reforma das instituições.  Garrett e Herculano, imbuídos pelo patriotismo e pelo nacionalismo,contribuíram para o renascimento pátrio e são considerados os introdutores do Romantismo em Portugal.
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O Romantismo

  • Período ou movimento literário e artístico, que marca, a partir de finais do séc.XVIII, uma viragem total na conceção da arte e da própria vida, cortando com a longa tradição do Classicismo Europeu.
  • Principalmente teve a sua origem nos povos do Norte, Inglaterra, Escócia e Alemanha, difundindo-se, mais tarde, para os países do Sul, de tradição latina, França, Itália, Espanha e Portugal, onde as manifestações literárias iniciais ficaram conhecidas como os pré-Românticos. 
  • As origens destas manifestações foram sociais, politicas, filosóficas e literárias.
  • Origens Sociais: o desenvolvimento de um novo gosto, diferente do gosto clássico onde perpassa uma imagem do dia a dia, da vida e, sobretudo, das emoções e sentimentos do autor e das suas personagens.
  • Origens Politicas: paralelamente, às transformações sociais ocorreram transformações politicas ,no sentido da construção de regimes mais democráticos com a Revolução Inglesa e Revolução Francesa, tendo surgido aDeclaração dos Direitos do Homem, com a proposta de novas formas de organização social e do Estado.
  • Origens Filosóficas : o Eu é a única realidade original, dinâmica e criadora:o mundo exterior não existe em si mesmo, privilegiando-se o egocentrismo. Segundo Fichte, o Eu, realidade primordial e criadora, desenvolve uma atividade pura em busca do Infinito. Para os românticos, o Eu é o génio individual,que busca incessantemente o absoluto, o inatingível, aspetos contrariados pela oposição da realidade, pelo contingente, pelo que é infinito. O Eu é tratada como uma atividade criadora, concebendo uma realidade outra e verdadeira, a partir do nada, uma realidade diferente daquela que vemos. É dentro de nós que se encontra a Verdade que se busca. 
  • Origens Literárias: Os romantismos europeus vão se fundir nos pré-românticos, em particular no movimento alemão do "Sturm und Drang" (Tempestade e Ímpeto). 
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        O Romantismo significa, desde sempre, o oposto do Classicismo e na consciência dos românticos é um tipo de arte e literatura que se opõe à arte e literatura clássicas. O Romantismo criou géneros novos, mistos:
  • a nível narrativo: o romance histórico, psicológico, contemporâneo, de costumes;
  • no domínio da poesia, do lirismo: a poesia intimista, filosófica e a metafísica e, sobretudo, o poema em prosa; 
  • no domínio dramático: a tragédia e a comédia clássica foram substituídas pelo drama.
      Inovou o domínio da linguagem e do estilo, impondo uma linguagem coloquial,simples, etc
  Concebeu, então, um novo tipo de herói e de heroína:
  • o herói romântico vive pelo sentimento e pelo instinto;
  • busca o absoluto da Verdade, da Justiça, do Amor; 
  • é um rebelde;
  • é incompreendido e marginalizado pela sociedade;
  • é o herói fatal, que causa a perdição daqueles que o amam.
  • solitário e ama a solidão;
  • sente-se transportado por um "sopro impetuoso, um destino insensato";  
  • busca o isolamento;
  • desgostoso, refugia-se em diversas formas de evasão;
  • o seu retrato físico é normalmente magro, pálido, cabelos soltos ao vento.


 Para além destas características, é também nacionalista.
 O Romantismo marcou um rutura definitiva com o Classicismo; o pólo artístico passa a centrar-se no Eu e não no Objeto. Esta rutura é definitiva, pois ainda é sentida nos nossos dias.

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    Fonte: Leitura para Informação "Romantismo", in Viagens de Literatura Portuguesa 11ºAno