António Gedeão, (Rómulo Vasco da Gama de Carvalho), nasceu em Lisboa em 1906. Criança precoce, aos 5 anos escreveu os seus primeiros poemas e aos 10 decidiu completar "Os Lusíadas" de Camões. A par desta inclinação para as letras, ao entrar para o liceu Gil Vicente, tomou contacto com as ciências e foi aí que despertou nele um novo interesse.
Em 1931 licenciou se em Ciências Físico Químicas pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e em 1932 conclui o curso de Ciências Pedagógicas
na Faculdade de Letras do Porto, prenunciando assim qual seria a sua actividade principal daí para a frente e durante 40 anos: professor e pedagogo. Exigente e comunicador por excelência, para Rómulo de Carvalho ensinar era uma paixão e uma dedicação. E assim, além da colaboração como co director da "Gazeta de Física" a partir de 1946, concentrou durante muitos anos, os seus esforços no ensino, dedicando se, inclusivé, à elaboração de compêndios escolares, inovadores pelo grafismo e forma de abordar matérias tão complexas como a física e a química. Dedicação estendida, a partir de 1952, à difusão científica a um nível mais amplo através da colecção "Ciência Para Gente Nova" e muitos outros títulos, entre os quais "Física para o Povo", cujas edições acompanham os leigos
interessados pela ciência até meados da década de 1970.
Apesar da intensa actividade científica, Rómulo de Carvalho nunca esqueceu a arte das palavras e continuou sempre a escrever poesia. Porém, não a considerando de qualidade e pensando que nunca seria útil a ninguém, nunca tentou publicá la, preferindo destruí la. Só em 1956, após ter participado num concurso de poesia de que tomou conhecimento no jornal, publicou, aos 50 anos, o primeiro livro de poemas "Movimento Perpétuo" com o pseudónimo António Gedeão. Continuou depois a publicar poesia, aventurando se, anos mais tarde, no teatro, no ensaio e na ficção.
Nos seus poemas há uma simbiose perfeita entre a ciência e a poesia, a vida e o sonho, a lucidez e a esperança. Aí reside a sua originalidade, difícil
de catalogar, originada por uma vida em que sempre coexistiram esses dois interesses totalmente distintos..
A poesia de Gedeão é bastante comunicativa e marca toda uma geração que, reprimida por um regime ditatorial e atormentada por uma guerra, cujo fim não se adivinhava, se sentia profundamente tocada pelos valores expressos
pelo poeta e assim se atrevia a acreditar que, através do sonho, era possível encontrar o caminho para a liberdade. É deste modo que "Pedra Filosofal", musicada por Manuel Freire, se torna num hino à liberdade e ao sonho. Mais tarde, em 1972, José Nisa compõe doze músicas com base em poemas de Gedeão e produz o álbum "Fala do Homem Nascido".
Nos anos seguintes dedicou se por inteiro à investigação, publicando numerosos livros, tanto de divulgação científica, como de história da
ciência. Gedeão também continuou a sonhar, mas o fim aproximava se e o desejo da morrer determinou, em 1984, a publicação de Poemas Póstumos.
Em 1990, já com 83 anos, Rómulo de Carvalho assumiu a direcção do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, sete anos depois de se ter tornado sócio correspondente da Academia de Ciências, função que desempenharia até ao fim dos seus dias.
Quando completou 90 anos de idade, a sua vida foi alvo de uma homenagem a nível nacional. O professor, investigador, pedagogo e historiador da ciência, bem como o poeta, foi reconhecido publicamente por personalidades da política, da ciência, das letras e da música. Faleceu em 1997.

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Analise do poema
Tema: Condenação do racismo

A figura principal é uma mulher preta que o sujeito poético encontrou a chorar nalgum lado “Encontrei uma preta/ que estava a chorar, (…)” (v.v. 1-2). Este ao observar esta cena, pede-lhe uma lágrima para a analisar de uma forma científica, daí a presença, no texto, de diversos termos científicos.
Poema para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas- parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.
Em 1931 licenciou se em Ciências Físico Químicas pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e em 1932 conclui o curso de Ciências Pedagógicas
na Faculdade de Letras do Porto, prenunciando assim qual seria a sua actividade principal daí para a frente e durante 40 anos: professor e pedagogo. Exigente e comunicador por excelência, para Rómulo de Carvalho ensinar era uma paixão e uma dedicação. E assim, além da colaboração como co director da "Gazeta de Física" a partir de 1946, concentrou durante muitos anos, os seus esforços no ensino, dedicando se, inclusivé, à elaboração de compêndios escolares, inovadores pelo grafismo e forma de abordar matérias tão complexas como a física e a química. Dedicação estendida, a partir de 1952, à difusão científica a um nível mais amplo através da colecção "Ciência Para Gente Nova" e muitos outros títulos, entre os quais "Física para o Povo", cujas edições acompanham os leigos
interessados pela ciência até meados da década de 1970.
Apesar da intensa actividade científica, Rómulo de Carvalho nunca esqueceu a arte das palavras e continuou sempre a escrever poesia. Porém, não a considerando de qualidade e pensando que nunca seria útil a ninguém, nunca tentou publicá la, preferindo destruí la. Só em 1956, após ter participado num concurso de poesia de que tomou conhecimento no jornal, publicou, aos 50 anos, o primeiro livro de poemas "Movimento Perpétuo" com o pseudónimo António Gedeão. Continuou depois a publicar poesia, aventurando se, anos mais tarde, no teatro, no ensaio e na ficção.
Nos seus poemas há uma simbiose perfeita entre a ciência e a poesia, a vida e o sonho, a lucidez e a esperança. Aí reside a sua originalidade, difícil
de catalogar, originada por uma vida em que sempre coexistiram esses dois interesses totalmente distintos..
A poesia de Gedeão é bastante comunicativa e marca toda uma geração que, reprimida por um regime ditatorial e atormentada por uma guerra, cujo fim não se adivinhava, se sentia profundamente tocada pelos valores expressos
pelo poeta e assim se atrevia a acreditar que, através do sonho, era possível encontrar o caminho para a liberdade. É deste modo que "Pedra Filosofal", musicada por Manuel Freire, se torna num hino à liberdade e ao sonho. Mais tarde, em 1972, José Nisa compõe doze músicas com base em poemas de Gedeão e produz o álbum "Fala do Homem Nascido".
Nos anos seguintes dedicou se por inteiro à investigação, publicando numerosos livros, tanto de divulgação científica, como de história da
ciência. Gedeão também continuou a sonhar, mas o fim aproximava se e o desejo da morrer determinou, em 1984, a publicação de Poemas Póstumos.
Em 1990, já com 83 anos, Rómulo de Carvalho assumiu a direcção do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, sete anos depois de se ter tornado sócio correspondente da Academia de Ciências, função que desempenharia até ao fim dos seus dias.
Quando completou 90 anos de idade, a sua vida foi alvo de uma homenagem a nível nacional. O professor, investigador, pedagogo e historiador da ciência, bem como o poeta, foi reconhecido publicamente por personalidades da política, da ciência, das letras e da música. Faleceu em 1997.
Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

Analise critica do poema
O tema deste extenso poema é o cântico ao sonho, entendido como a mola do progresso e da evolução do ser humano ao longo dos séculos. Ou seja, o sonho é o elemento que leva o Homem a fazer avançar o Mundo, a superar-se continuamente. Por outro lado, o sonho “é uma constante da vida”, sem a qual, citando Fernando Pessoa, o Homem é somente um “cadáver adiado que procria” (D. Sebastião, in Mensagem).
O título do poema – Pedra Filosofal – remete para a alquimia, isto é, para a substância que se adicionava aos metais pobres para serem transformados em ouro. Assim, com este título, António Gedeão associa o sonho humano à magia dos alquimistas, sugerindo que aquele, qual pedra filosofal, transforma em ouro as fraquezas e as pequenas ambições humanas.
O sonho é tão frequente, concreto e definido na vida como diversas outras coisas: uma pedra, um ribeiro, os pinheiros, as aves, etc. Estas diversas comparações que surgem no início do texto sugerem que o sonho é uma coisa simples e, ao mesmo tempo, complexa, porque é muito difícil de definir; sugerem ainda que algo abstracto e subjectivo pode ser transformado em algo tão concreto e definido como outra coisa qualquer.
Os sonhos podem ser “mansos” ou “sobressaltados”; estão relacionados com algo grandioso e envolvidos pela ideia da esperança constante (por exemplo, a metáfora dos “pinheiros altos”: a cor verde poderá remeter para a eterna “juventude” ou para o renovar constante e para a esperança em torno do sonho, enquanto a altura poderá sugerir a liberdade desse ideal, a ausência de horizontes ou limites para o sonho, como o céu por onde voam as aves); são igualmente o “bichinho (…) sedento” cujo focinho pontiagudo permite penetrar nos “locais” mais recônditos.
É o sonho que leva ao progresso humano em diversas áreas: a Arte (a pintura, a arquitectura, a música, o teatro, a dança); a Técnica e a Tecnologia (a cisão do átomo, o radar, o foguetão…); a Geografia e a História, a Indústria… No caso português, António Gedeão destaca o momento dos Descobrimentos, que permitiu que um pequeno povo, sem grande poder ou equipamento minimamente adequado, apenas com a sua coragem e o seu sonho, revelasse novas terras, novos povos, novas civilizações ao Mundo. O Homem sonhou que existiam outros mundos além dos conhecidos e sonhou que os poderia descobrir e, através da força imparável do sonho, esses universos foram mesmo desvendados.
Antes de concluir que, sempre que o Homem sonha, consegue alcançar algo melhor do que aquilo que conhece, António Gedeão não deixa de criticar todos aqueles que não sonham, pois não sabem que o sonho comanda as suas vidas. Em suma, sem sonho não há vida, sem sonho a vida não tem sentido.
Lágrima de pretaé uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

Analise critica do poema
O tema deste extenso poema é o cântico ao sonho, entendido como a mola do progresso e da evolução do ser humano ao longo dos séculos. Ou seja, o sonho é o elemento que leva o Homem a fazer avançar o Mundo, a superar-se continuamente. Por outro lado, o sonho “é uma constante da vida”, sem a qual, citando Fernando Pessoa, o Homem é somente um “cadáver adiado que procria” (D. Sebastião, in Mensagem).
O título do poema – Pedra Filosofal – remete para a alquimia, isto é, para a substância que se adicionava aos metais pobres para serem transformados em ouro. Assim, com este título, António Gedeão associa o sonho humano à magia dos alquimistas, sugerindo que aquele, qual pedra filosofal, transforma em ouro as fraquezas e as pequenas ambições humanas.
O sonho é tão frequente, concreto e definido na vida como diversas outras coisas: uma pedra, um ribeiro, os pinheiros, as aves, etc. Estas diversas comparações que surgem no início do texto sugerem que o sonho é uma coisa simples e, ao mesmo tempo, complexa, porque é muito difícil de definir; sugerem ainda que algo abstracto e subjectivo pode ser transformado em algo tão concreto e definido como outra coisa qualquer.
Os sonhos podem ser “mansos” ou “sobressaltados”; estão relacionados com algo grandioso e envolvidos pela ideia da esperança constante (por exemplo, a metáfora dos “pinheiros altos”: a cor verde poderá remeter para a eterna “juventude” ou para o renovar constante e para a esperança em torno do sonho, enquanto a altura poderá sugerir a liberdade desse ideal, a ausência de horizontes ou limites para o sonho, como o céu por onde voam as aves); são igualmente o “bichinho (…) sedento” cujo focinho pontiagudo permite penetrar nos “locais” mais recônditos.
É o sonho que leva ao progresso humano em diversas áreas: a Arte (a pintura, a arquitectura, a música, o teatro, a dança); a Técnica e a Tecnologia (a cisão do átomo, o radar, o foguetão…); a Geografia e a História, a Indústria… No caso português, António Gedeão destaca o momento dos Descobrimentos, que permitiu que um pequeno povo, sem grande poder ou equipamento minimamente adequado, apenas com a sua coragem e o seu sonho, revelasse novas terras, novos povos, novas civilizações ao Mundo. O Homem sonhou que existiam outros mundos além dos conhecidos e sonhou que os poderia descobrir e, através da força imparável do sonho, esses universos foram mesmo desvendados.
Antes de concluir que, sempre que o Homem sonha, consegue alcançar algo melhor do que aquilo que conhece, António Gedeão não deixa de criticar todos aqueles que não sonham, pois não sabem que o sonho comanda as suas vidas. Em suma, sem sonho não há vida, sem sonho a vida não tem sentido.
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Analise do poema
Tema: Condenação do racismo
Assunto: O sujeito poético analisa uma lágrima de uma preta, testa de maneira científica e chega à conclusão que essa lágrima é igual a todas as outras.
O teste da lágrima: Este poema é como que um relatório científico, elaborado através de uma experiência feita com uma lágrima de uma mulher preta.
Exs: “(…)num tubo de ensaio bem esterilizado(…)” (v.v. 7-8)
“Mandei vir os ácidos, as bases e os sais, (…)” (v.v. 13-14)
Trata-se, assim, de uma análise química que o sujeito poético vai fazer à lágrima, seguindo um certo método experimental:
. Começa por recolher a lágrima e coloca-a num tubo de ensaio esterilizado “Recolhi a lágrima/ com todo o cuidado/num tubo de ensaio/bem esterilizado.” (v.v. 5-8), para que esta não ficasse contaminada e os resultados modificados.
. Seguidamente a lágrima é observada cuidadosamente “Olhei-a de um lado,/ do outro e de frente: (…)” (v.v. 9-10) igualando-a com uma gota transparente “(…) tinha um ar de gota/ muito transparente.” (v.v. 11-12).
. Depois começa a análise experimental, recorrendo a vários reagentes “Mandei vir os ácidos,/ as bases e os sais,/ as drogas usadas/ em casos que tais.” (v.v. 13-16) e a processos experimentais “Ensaiei a frio,/ experimentei ao lume (…)” (v.v. 17-18) e repetiu-os várias vezes, como se deve fazer em todas as experiências químicas“(…)de todas as vezes” (v. 19).
. Após as repetições da mesma experiência o resultado foi sempre o mesmo “(…)deu-me o que é costume: (…)” (v.20), ou seja, a lágrima desta mulher negra tem uma constituição igual à de uma pessoa branca ou de outra cor: é constituída por água e cloreto de sódio “Água (quase tudo)/ e cloreto de sódio.” (v.v. 23-24) e não apresenta sinais de negro ou de ódio “Nem sinais de negro, nem vestígios de ódio.” (v.v. 21-22).
. Resultados: Este poema é para nos mostrar que somos todos iguais independentemente da nossa cor de pele. Facto que ele demonstrou com a inexistência de diferenças entre a composição química entre aquela lágrima e a de outras pessoas de outras cores (que se supõe que o sujeito poético já tenha analisado para poder comparar e retirar as suas conclusões).
. É assim que o autor evidencia a sua condenação ao racismo, mostrando que até cientificamente está provado que somos todos iguais.
. Este poema também demonstra a formação académica e profissional de António Gedeão, tanto a nível de ciências (pois este era professor de Física ou Química) como na sua oposição ao racismo.
ESTRUTURA FORMAL
É um poema constituído por 6 estrofes de 4 versos cada, ou seja, 6 quadras. Geralmente, cada verso tem 5 sílabas métricas (Redondilha menor).
Poema para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas- parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.
Um pouco sobre Galileu...
Este poema discursa sobre uma época situada por volta de 1600, e sobre a vida de um dos "gigantes da física". Galileu que antes de 1611 lecionava matemática, ainda fazia suas explicações do sistema planetário com geocêntrico, mas já estava entrando em contato com as leituras de Copérnico. Em cartas a Kepler, a discussão sobre o sistema heliocêntrico séria ridículo, pois em contra posição as ideias aristotélicas e a simplicidade contidas nelas, bastavam para responder sobre muitas observações dos corpos celestes e outros fenómenos.
Porém em 1609, com a utilização do telescópio (Creditado a Hans Lippershey sua criação) Galileu pode fortificar a defesa da teoria heliocêntrica. Assim, por meio de várias observações Galileu descobriu refutações do que propunha os ideais aristotelicas-ptolomaico, das quais propunham os corpos celestes depois da Terra como, feitos por matéria “etérea” justificando a não queda para o centro do universo, o centro da Terra. Dentre essas refutações estão:
1º - A superfície da Lua;
Galileu percebeu que a Lua tinha em sua superfície crateras, as quais contradiziam a crença popular da época.
2º - A concepção da via-láctea;
Também, em suas observações Galileu conseguiu atentar para estrelas jamais vistas a olho nu. O que antes era apenas admiração aos olhos humanos, se tornou então um problema já que a maioria delas não era vistas por eles.
3º - Os satélites de Júpiter;
Ao apontar o telescópio para o "errante" Júpiter (os planetas eram chamados de errantes, pois em algumas épocas de suas órbitas realizavam movimentos retrógrados), Galileu percebeu os movimentos de 4 corpos celestes. Os quais realizavam esses movimentos ao redor de Júpiter e não ao redor da Terra como propunha o conhecimento da época.
Foi assim que Galileu, cujas idéias já estavam desfavoráveis ao geocentrismo publicou em 1610, o livro "Sidereus Nuncius" (tradução ao português: "O mensageiro das estrelas"). Neste livro estavam contidas as observações e relatos das refutações, a cima, descritas sucintamente.
Num primeiro momento tais argumentações foram, até, bem aceitas e seriam apresentadas na corte e ao futuro papa Urbano VIII. Porém, a igreja começou a tomar posicionamentos mais rígidos e interpretações ao pé da letra da Bíblia. E foi mais tarde, em 1616 que a Inquisição se mostrou contra a teoria heliocêntrica. Assim, muitos livros como os de Galileu, Copérnico, Giordano Bruno e outros foram parar na lista de livros proibidos. Então, que o embate começou a ganhar conseqüências.
Nesta época as pesquisas eram mais favoráveis a Tycho Brahe, pois como adepto fervoroso da teoria geocêntrica, realizava pesquisas e observações capazes de afirmar suas hipóteses.

Foi proibido então falar-se em teoria heliocêntrica como "Verdade Física", mas poderia ser estudada como hipótese matemática.
Nestes altos e baixos, um dos amigos de Galileu ascende a posição de Papa (Urbano VII) e dá a Galileu a oportunidade de mostrar suas hipóteses, porém de forma equilibrado. Colocando e contrapondo os dois pontos de vista, na criação de um livro. Foi assim, que podemos dizer de forma até ousada Galileu escreve "Dialogo di Galileo Galilei sopra i due Massimi Sistemi del Mondo Tolemaico e Copernicano"(Dialogo sobre os dois principais sistemas do mundo Ptolomaico e Copernicano). Diga-se de passagem, ousado, pois em seu livro as duas visões não eram colocadas tão equilibradas. Galileu de forma às vezes explicita, bem como implícita defende a concepção do sistema heliocêntrico.
Numa interpretação feita pelos "avaliadores" da igreja, o livro era uma oposição fortíssima as questões geocêntricas. Então, o papa Urbano VIII, incluiu também este livro ao "index" e utilizou-se das forças da inquisição para punir Galileu como forma de demonstrar a traição cometida
A saída de que Galileu utilizou foi uma proposta controversa aos olhares de seus apoiadores, e a atitude correta aos olhares da igreja. Mas, talvez uma das mais inteligentes já pensadas. Pois, sob pressão de drásticas punições; um dos maiores defensores da teoria heliocêntrica começou a declarar que suas concepções eram errôneas e ditas de um "amador". Assim, ficou em "cárcere privado". Mas, ate então, "uma mordomia", diga-se de passagem. Pois, ficou num aposento do vaticano grande e no qual continuou a realizar seus estudos.
Foi então, em 1636,já com 74 anos e cego, que se concretizou a realização da sua ultima obra "Discorsi e Dimostrazioni Matematiche Intorno a Due Nuove Scienze"(conhecido pela tradução "Discursos e demonstrações matemáticas acerca de duas novas ciências" ou apenas "discursos"). Neste livro posto em diálogos, podemos dividi-lo em quatro partes ou jornadas. As duas primeiras falam sobre as "duas ciências" uma retomada aos diálogos e sobre a resistência dos materiais, respectivamente. As últimas duas partes propoem-se a avaliar e questionar o movimento acelerado e as leis dos movimentos de projeteis (Menção feita por Gedeão neste poema acima, nos últimos versos).
Pode-se dizer que não foi bem aceito e teve suas primeiras publicações na Holanda. Galileu, diga-se de passagem, foi um homem que realizou conquistas e propostas, já "muito velho". Contrapondo o que hoje se relata que para se descobrir algo deve ser uma pessoa nova, de cabeça limpa de influências. Eis um homem que contradiz este discurso popular.
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