quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

                                                        Amor de Perdição  
                                           Memórias de uma família 

                                  Biografia de Camilo Castelo Branco     

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco, filho ilegítimo de Joaquim Botelho e de Jacinta Maria, nasce em Lisboa, a 16 de março de 1825.
A biografia de Camilo é uma novela camiliana. A sua vida é uma sucessão de acontecimentos trágicos: com um ano e meio de idade perde a mãe e, aos dez, o pai. De início, vive o estigma da ilegitimidade e orfandade – temas recorrentes em toda a sua obra.
É enviado, então, com a irmã mais velha, para morar em Vila Real (Trás-os-Montes) com a tia paterna, Rita Emília, que lhe conta histórias de seu tio Simão Botelho, que será o herói de Amor de Perdição. Depois passa a viver com a irmã mais velha em Vilarinho da Samardã (freguesia do concelho de Vila Real) e estuda latim e textos religiosos com o cunhado da irmã, o padre António de Azevedo.
Aos 16 anos casa-se com uma aldeã de quinze anos, Joaquina Pereira de França, e passa morar com ela e com o sogro em Friúme (lugar conhecido também por Ribeira da Pena). Continua os estudos com os padres das aldeias por onde passou. Aprende francês, lê os clássicos gregos e latinos, os portugueses, além de muita literatura católica. É um grande observador da vida e dos hábitos do povo das serras, das gentes simples de Trás-os-Montes, o que se pode observar nos seus romances e novelas. Participou episodicamente em restos de guerrilhas miguelistas.
Abandonou a esposa e filha (Rosa), indo para o Porto, onde se matriculou no curso de Medicina. Contudo, deixa a faculdade dois anos depois; em seguida matricula-se em Direito, curso que também acaba por abandonar.
Mas foi no Porto que começou sua aventureira e tormentosa vida amorosa; o seu drama pessoal. Aos 21 anos, foge de Vila Real para o Porto com uma outra jovem Patrícia Emília, órfã e prima. Camilo é acusado de bigamia, é condenado e passa algum tempo preso.
Em 1847 morre sua esposa, Joaquina Pereira; no ano seguinte, morre sua filha Rosa; nesse mesmo ano, Patrícia Emília tem uma filha.
                              Resultado de imagem para fotos de camilo castelo branco 

Resultado de imagem para fotos de camilo castelo branco
A partir de 1848, fixa residência no Porto e passa a fazer parte das tertúlias literárias. É um rapaz impulsivo, escreve para os jornais e envolve-se constantemente em campos de duelo (ferido) por amores e por rixas literárias. Por esse tempo passa a fazer parte de círculos literários como autor de peças teatrais e surgem aí as suas primeiras novelas, sob a forma de folhetins, nos jornais O Nacional e O Eco Popular.
Nessa ocasião, envolve-se com uma freira, a jovem Isabel Cândido Moura, que lhe educará a filha Bernardina Amélia, nascida em 1847, da sua relação com Patrícia Emília; depois passa a viver com uma humilde costureira; tem envolvimento com a poetiza – Maria de Felicidade do Couto Browne – e outros casos com mulheres da sociedade.
Finalmente, o seu grande envolvimento amoroso é com Ana Plácido, mas, por imposição paterna, esta casa-se com um rico comerciante “brasileiro” que regressa de viagem (Manuel Pinheiro Alves), o que origina em Camilo uma profunda depressão e aversão a figuras de portugueses enriquecidos no Brasil que regressavam sem cultura nem princípios morais, como ele os caricatura em muitas das suas novelas, apresentando-os como figuras grotescas.
Tal crise desencadeia nele, da mesma forma que o faria no coração de seus heróis, uma “vocação” religiosa. Passa dois anos (1850 – 1852) num seminário do Porto, à imitação do infeliz Eurico, o Presbítero de Alexandre Herculano, pretendendo ser padre. Nesse tempo, escreve artigos para jornais absolutistas e clericais.
Seis anos depois, já é novelista reconhecido pelo público e pela crítica. Ana Plácido deixa o marido para viver com o amante, o que era nesse tempo um escândalo passível de ação judiciária. O escândalo traz notoriedade a Camilo. O casal, perseguido pela justiça, passa algum tempo fugitivo, escondendo-se em vários lugares, até que os dois amantes se veem forçados a entregar-se à prisão (Ana em maio e Camilo em outubro). Acusados de adultério, ambos, são remetidos para a Cadeia de Relação do Porto.
O cárcere durou um ano e dezasseis dias, período em que recebe a visita do rei D. Pedro V. Aí, Camilo ocupou o tempo a escrever, entre outros escritos, num momento psicológico de alta tensão trágica, em 15 dias, o Amor de Perdição (1862).
Julgados em tribunal, foram absolvidos do processo porque o marido de Ana Plácido morre e, portanto, termina o crime de adultério. Passam a viver juntos, finalmente.
O resto é suplício de um homem que se torna forçado a produzir por encomendas. É o escritor mais lido de Portugal.
Resultado de imagem para fotos de camilo castelo branco                                    Resultado de imagem para fotos de camilo castelo branco 
 Em 1864, transfere-se para São Miguel de Seide, para uma quinta da propriedade do filho de Ana Plácido, mulher com quem viveu até seus últimos dias. O isolamento é quebrado somente por curtas ausências, sendo as mais longas no Porto.
Esta vida em comum não é pacífica e muitos dramas a tornam lúgubre: nesse tempo já apresentava sinais de doença. O seu estado de saúde agravou-se em 1867, o que não o impediu de produzir dezenas de obras. Os factos trágicos pareciam não lhe dar descanso: a morte de Manuel Plácido, com 19 anos (que nascera em 1858 e que se pensa ser filho de Camilo, apesar de nessa altura Ana Plácido viver ainda com o marido); a loucura do filho Jorge (possivelmente seria esquizofrénico); a vida boémia do filho Nuno.
Numa atitude tipicamente romântica, pondo em prática, por exemplo, um plano disparatado para raptar uma jovem herdeira rica, que casará com Nuno, à maneira dos heróis das suas novelas (1881). A jovem acaba por morrer três anos mais tarde, de tuberculose, assim como a filha que entretanto nascera, continuando Nuno a sua vida de leviandade. Este é expulso de casa, depois de uma briga.
As dificuldades financeiras obrigam Camilo a vender, em leilão, a sua preciosa biblioteca – 5.000 volumes minuciosamente escolhidos, reunidos ao longo de quarenta anos. Camilo tenta obter o título de visconde (assim como Garrett e Castilho) e faz o possível para que Nuno também possa usufruir desse título, na esperança que isso o ajude a mudar de vida. Essa luta pelo título nobiliárquico desenrola-se de 1870 a 1885, sendo-lhe finalmente concedido o ambicionado título (e ao filho dois anos depois).
Enfim, o casamento do escritor com Ana Plácido ocorre em 9 de março de 1888. Como se todo aquele sofrimento não bastasse, Camilo já estava quase cego, em consequência de uma sífilis crónica, mas o escritor nutria esperanças, ainda, de voltar a ver. Depois de ser consultado, em casa, o médico comunica que a cegueira é irreversível, e enquanto Ana Plácido acompanha o doutor até a porta, Camilo suicida-se com um tiro no ouvido direito, assim, acabava o mais importante e prestigiado escritor do ultrarromantismo em Portugal, exactamente, às 15h15 do dia 1º de junho de 1890.
        Resultado de imagem para fotos de camilo castelo branco                     Resultado de imagem para fotos de camilo castelo branco   

                                            
                                                         Contextualização 

É comum, na obra de Camilo Castelo Branco, o tratamento do amor desenfreado e profundo entre jovens que lutam por suas paixões muito além dos limites de suas próprias forças. Resistentes a toda sorte de obstáculos, procuram a felicidade mas geralmente são desviados para a desgraça e, não raro, para a morte.
Em Amor de Perdição encontramos o traço principal da novelística passional de Camilo: a concepção do amor como uma espécie de destino, de fatalidade, que domina e orienta e define a vida (e a morte) das personagens principais. Marcado pela transcendência, esse amor trará consigo sempre um equivalente de sofrimento e de infelicidade: ou porque a paixão se choca frontalmente com as necessidades do mundo social, ou porque significa, em última análise um desejo luciferino de recuperar o paraíso na terra. Para as suas personagens, basta essa percepção do carácter transcendente da paixão amorosa para que ela acarrete logo um cortejo de sofrimentos: o remorso, a vertigem do abismo, a percepção de que o amor mais sublime é aquele que se apresenta e se revela, em última análise, como impossibilidade. Por isso, nas suas novelas sentimentais desfilam tantos “mártires do amor”, tantos sofredores que, no sofrimento, encontram a razão de ser e o sentido mais profundo da sua vida. É um marco do Ultra-Romantismo português. Muito bem recebido pelo público em seu lançamento, acabou se tornando uma espécie de Romeu e Julieta lusitano. Tem o traço shakespeariano onde as nobres famílias Botelho e Albuquerque vêem o ódio mútuo ameaçado pelo amor entre Simão Botelho e Teresa Albuquerque. Simão - o herói romântico, cujos erros passados são redimidos pelo amor -, Teresa - a heroína firme e resoluta em seu sentimento de devoção ao amado - e Mariana -, a mais romântica das personagens, tendo em vista a abnegação, representam a dimensão amorosa, o sentimento da paixão, ao qual se opõe o mundo exterior, a sociedade com sua hipocrisia.
                                                    Resultado de imagem para amor de perdição
A apresentação de Simão Botelho pelo narrador é essencialmente romântica: é feita de um modo a parecer real, verdadeira, e não ficcional. Os escritores românticos utilizavam-se de recursos como este presente em Amor de Perdição para que suas obras tivessem maior credibilidade, conquistassem a confiança do leitor.
Amor de Perdição foi um romance escrito na Cadeia da Relação do Porto, em 1861. Sub-intitulado de Memórias de Uma Família, é baseado em episódios da vida do tio Simão Botelho. Este é o romance mais popular, já traduzido em diversas línguas e adaptado ao teatro e ao cinema. Dele chegou a ser extraída uma ópera e, em 1986, fez-se uma edição da obra destinada aos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo. É considerado uma obra-prima da ficção de língua portuguesa.
A obra não pode ser lembrada apenas como o mais bem acabado exemplo de novela passional, em que predomina o descarrilamento amoroso e as paixões desenfreadas. Deve-se também destacar o mérito de possuir uma narrativa enxuta, concisa e extremamente criativa na invenção de obstáculos e peripécias, tornando o texto dinâmico, ágil. Na introdução do romance, o narrador-autor reproduz o registo de prisão de Simão Botelho nas cadeias da Relação do Porto e antecipa o degredo do moço, aos 18 anos, em circunstância ligada a uma paixão juvenil, bem como o desenlace trágico da história. Falando directamente ao leitor, imagina a reacção que tal história pode provocar: compaixão, choro, raiva, revolta frente à falsa virtude alegada pelos homens em atos injustos e bárbaros.


                                                             Resultado de imagem para amor de perdição
Foco narrativo

Do ponto de vista do foco narrativo, ou da postura do narrador perante a história, os elementos realistas de Amor de Perdição estão na critica às instituições religiosas, os conventos, e no comportamento não-passional de alguns personagens secundários, como João da Cruz, É possível perceber estes elementos nas passagens da obra em que o narrador denuncia a corrupção do convento de Viveu e enfatiza a lealdade, o senso prático, a sensatez de João da Cruz, relativizando assim a passionalidade predominante no romance.
Escrita em terceira pessoa, esta obra caracteriza-se por um narrador onisciente, isto é, um narrador que desvenda o universo interior dos personagens, sabendo mais do que eles próprios, o que lhes passa pela mente e pelo coração. O tipo de onisciência deste narrador pode ser classificado como onisciência intrusa, na medida em que ele não só revela mas também comenta os sentimentos e comportamentos dos personagens, deixando claro o seu ponto de vista a favor dos que amam e contra os que impedem a realização do amor
O episódio mais representativo do romance, no sentido de provocar lágrimas nos leitores românticos e risos nos leitores realistas, ocorre no seu desfecho, quando o tema da ‘morte por amor” atinge o clímax: Teresa morre no convento, ao sentir irreversível a perda de Simão, o qual, por sua vez, é tomado de uma febre fatal, no navio que o levaria pura longe da amada, quando fica sabendo de sua morte. Já Mariana, apaixonada por Simão, atira-se ao mar agarrada ao seu corpo.

                                         Resultado de imagem para amor de perdição
Personagens

Simão Botelho - Inicialmente é apresentado como um jovem de temperamento sanguinário e violento. Perturbador da ordem para defender a plebe com quem convive e agitador na faculdade, onde luta de forma brutal pelas ideias jacobinistas, o seu carácter se transforma, e repentinamente, a partir do capítulo 2. É que conhecera e amara, durante os três meses em que esteve em Viseu, a vizinha Teresa. Ele com 17 anos, ela com 15, passam a viver desde então o amor romântico: um amor que redime os erros, que modifica as personalidades, que tem na pureza de intenções e na honestidade de princípios as suas principais virtudes. Aliás, são as virtudes que caracterizam os sentimentos de Simão, desde que experimenta este amor. Torna-se recatado, estudioso e até religioso, o que não o impede de sentir uma sede incontrolável de vingança, que resulta no assassinato do rival Baltasar Coutinho. Esse ato exemplifica a proximidade entre “o sentimento moral do crime” ou “o sentimento religioso do pecado” e a tentativa de consumação do amor. O modo como assume este crime, recusando-se a aceitar todas as tentativas de escamoteá-lo, feitas pelos amigos de seu pai, acaba de configurar o carácter passional do comportamento de Simão. Nem a possibilidade da forca e do degredo, nem as misérias sofridas no cárcere conseguem abater a firmeza, a dignidade, a obstinação que transformam Simão Botelho em símbolo heróico da resistência do individuo perante as vilezas da sociedade. Trata-se de um típico herói ultra-romântico, em outras palavras.

Teresa de Albuquerque - Protagonista, menina de 15 anos que se apaixona por Simão, também sai adquirindo densidade heróica ao longo da obra: firme e resoluta em seu amor, ela mantém-se inflexível perante os pedidos, as ameaças -e finalmente as atrocidades e violências cometidas pelo pai severa e autoritário, seja pata casá-la com o primo, seja para transformá-la em freira. Neste sentido, a obstinação que a caracteriza é a mesma presente em Simão, com a diferença de que nela o heroísmo consiste não em agir, mas em reagir. Isto por pertencer ao sexo feminino, símbolo da fragilidade e da passividade perante o carácter viril, másculo, quase selvagem do homem romântico. Na medida em que não faz o jogo do pai, dando a vida pelo sentimento que a possui, Teresa constitui uma heroína romântica típica, um exemplo da imagem da mulher­anjo que vigorou no Romantismo.

Mariana - Moça pobre e do campo, de olhos tristes e belos, tem sido considerada, algumas vezes, como a personagem mais romântica da história, porque o sentir a satisfaz, sem necessidade ao menos de esperança de concretizar-se a seu amar par Simão. Independente do amor entre Simão e Teresa, Mariana o ama e todo faz por ele: cuida de suas feridas, arruma-lhe dinheiro, é cúmplice da paixão proibida, abandona o pai para fazer-lhe companhia e prestar-lhe serviços na prisão e, finalmente, suicida-se após a morte de Simão. Estas atitudes - abnegadas, resignadas e totalmente desvinculadas de reciprocidade, fazem de Mariana uma personificação do espírito de sacrifício, o que torta a sua dimensão humana abstrata, pouco palpável.

Domingos BotelhoO pai de Simão e Tadeu de Albuquerque, o pai de Teresa, são tão passionais, tão radicais em seu comportamento, quanto Simão e Teresa. Entretanto, ambos podem ser considerados simetricamente o oposto dos heróis, na medida em que representam a hipocrisia social, o apego egoísta e tirano à honra do sobrenome, aos brasões cuja fidalguia é ironicamente ridicularizada, desmoralizada pelo narrador.

Baltasar Coutinho - O primo de Teresa assassinado por Simão, acrescenta à vilania do tio, de quem se faz cúmplice, a dissimulação, o moralismo hipócrita e oportunista de um libertino de 30 anos, que covardemente encomenda a criados a morte de Simão. Em suma, nele se concentram toda perversidade, toda a prepotência dos fidalgos. Tal personagem constitui. sem nenhuma duvida, o vilão da historia.

João da Cruz - O pai de Mariana, destaca-se como personagem mais sensato, mais equilibrado, o único personagem que possui traços realistas, de Amor de Perdição. Ferreiro e transformado em assassino numa briga, João da Cruz consegue de Domingos Botelho, pai de Simão, a liberdade. Em nome dessa divida de gratidão, torna-se protector do herói com palavras sempre oportunas, lúcidas, estratégicas, e com atos corajosos e violentos, quando necessário. A sua linguagem cheia de provérbios e ditados populares, a simplicidade de sua vida, somadas ao amor que dedica á filha, por quem vive, desfazem aos olhos do leitor os crimes que comete e os substituem por uma honradez, uma bondade inata. forte e viril, que nos parecem representativas da visão do autor a respeito das coroadas rurais em Portugal.


                                                                  
                                                             Enredo
Nesta obra, há uma coincidência com a vida do autor: é certo que a obra de Camilo e a sua vida foram lidas uma em função da outra, como reforço mútuo. E essa conjunção produzia um determinado sentido, tinha uma consequência estética. A maneira como Camilo, que era um homem que vivia da pena, fez render esse ponto, com a legenda que criava em torno de si mesmo.
O detalhe notável é a constante referência de Camilo ao fato de escrever para viver, e de ter, assim, de dar ao público o que ele quer comprar. A novela passional é originada pelo clima emocional da época que foi absorvido pelo mundo novelístico de Camilo e nessa atmosfera satura de paixão e lágrimas, de grandezas e misérias, as personagens movem-se, tal como acontece com o seu criador, não só pelos impulsos próprios, mas também pela estimulação do meio mórbido em vivem. E, ainda, que a família de Camilo era da mesma espécie de “brigões” e “cobiçosos” que havia a rodo em Portugal no correr do século XIX, na crise que se seguiu à independência do Brasil.
Quanto à família da qual proveio Camilo, eis o apanhado mais geral: um avô magistrado reconhecidamente corrupto; um tio assassino – o tema de Amor de Perdição – que, depois de mil tropelias pouco românticas, acabou degredado para a Índia; uma tia de má fama, concubina de um ricaço, cuja fortuna esbanjou depois de espoliar a herança da filha de seu primeiro casamento e também a dos seus sobrinhos (Camilo, entre eles); o pai, que viveu amancebado sucessivamente com três criadas.
Esta obra-prima da ficção de língua portuguesa parece ter encontrado na tragédia Romeu e Julieta, de Shakespeare, uma referência marcante da novela passional de Camilo, que segundo o filósofo e escritor espanhol Miguel de Unamuno é a maior novela de amor da península Ibérica.
O romance reúne, em síntese, elementos típicos de uma mundividência que tem raízes na cultura portuguesa, particularmente na sua expressão literária, desde épocas remotas.
Dois quartos da novela constam de uma lenta narração sobre o namoro entre Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, a separação do casal por rixas familiares, a obstinação de Teresa mantendo-se fiel a Simão, não cedendo à insistência do pai, Tadeu de Albuquerque, em casá-la com o fidalgo Baltasar Coutinho.
Por outro lado, Simão, estudante em Coimbra, regressa a Viseu, resolvido a resgatar a amada, mantida num convento, à guisa de castigo por sua teimosia. Simão, que não conta com o apoio de sua própria família, mantém-se escondido na casa de João da Cruz, um ferrador. Contando com a cumplicidade do ferrador e da filha Mariana, o jovem está a salvo. Mariana apaixona-se pelo hóspede e auxilia-o de todas as formas, no sentido de que comunique com a amada Teresa.
O capítulo 10 pode ser considerado o clímax da narrativa: é quando se dá a morte de Baltasar Coutinho. Simão Botelho tenta encontrar-se com Teresa, aquando da mudança do convento de Viseu para Monchique. Baltasar provoca-o e Simão atira matando-o. Assim os acontecimentos precipitam-se.
Os outros dois quartos da novela, ou seja, do capítulo 11 em diante, preparam o desenlace trágico. Simão é preso na cadeia da Relação, no Porto. Teresa é mantida enclausurada no convento de Monchique, também no Porto. Julgado e condenado à morte na forca, Simão passa os dias em desespero, tendo ao lado a fiel companhia de Mariana. Domingos Botelho, pai de Simão e corregedor, nega-se a auxiliar o filho e só o faz tardiamente, quando então consegue comutação da pena e um degredo para as Índias.
O final trágico dá-se quando da partida de Simão para o exílio. Teresa assiste do mirante do convento à passagem do navio que leva a seu amado e vem a falecer. Simão, não resistindo à dor de perder a amada, também morre, no navio. Mariana suicida-se, abraçada ao cadáver do jovem, já lançado ao mar.
                                                         Resultado de imagem para amor de perdição
                                                              Resultado de imagem para amor de perdição
                                                          Resultado de imagem para amor de perdição
                  
                                                        Acção, Espaço e Tempo    

A acção é fechada, pois o público é informado sobre o destino final das personagens centrais (Simão, Teresa e Mariana). A ação é formada a partir de uma sucessão de sequências narrativas, ligadas por casualidade. Contudo os acontecimentos posteriores são sempre uma consequência dos anteriores - encadeamento.
· Sequências narrativas ligadas à intriga central:
- nascimento de Simão Botelho;
- visão mútua de Simão e de Teresa e nascimento do seu amor;
- relação secreta entre Simão e Teresa;
- simão hospeda-se em casa de João da Cruz;
- encontro entre Simão e Baltazar;
- Teresa é mandada para o convento de Monchique e, posteriormente, para um convento no Porto;
- Simão mata Baltazar e recusa fugir à polícia;
- Simão é condenado à morte, por enforcamento;
- morre João da Cruz;
- partida de Simão para o degredo;
- morte de Teresa;
- morte de Simão;
- suicídio de Mariana.
Pode ser considerada uma obra de ação aberta: Camilo convida o leitor a fazer uma reflexão acerca dos preconceitos existentes e caducos, em Portugal, sobre o amor.

· Interação das personagens centrais:
- afastamento crescente dos amantes, partindo de uma rua até à despedida de Teresa que parte para o convento de Monchique;
- adiamento do encontro dos amantes no Céu: representação metafísica e romântica do amor.
- Mariana cada vez se aproxima mais de Simão, apesar de classes sociais diferentes, desde o primeiro encontro até ao suicídio de Mariana;
- movimento ultrarromântico, há a ligação em vida e após a morte.

Espaço
O espaço físico, em Amor de Perdição, conhece um afunilamento progressivo à medida que a acção trágica se encaminha para o seu clímax e, posteriormente, para o desenlace final. Assim, de um espaço amplo exterior onde as personagens evoluem livremente, passa-se para um espaço fechado e reduzido onde as personagens são encarceradas. Este espaço reduzido simboliza a prisão da própria vida, visto que estão enclausuradas na dimensão da própria tragédia.
Verifica-se, ainda, que, quanto maior é a privação de liberdade, menor é o espaço onde evoluem as personagens.
Alguns elementos relacionados com os espaços que adquirem uma simbologia importante nesta obra:
· as grades: além das grades materiais que impressionam Simão, simbolizam os obstáculos sociais que motivam o seu encarceramento.
· a janela: é a ligação entre o interior e o exterior; é conotada, simbolicamente, com a interioridade de Simão e de Teresa e com a sociedade. Funciona, ainda, como a cisão entre as personagens e ao espaço social onde estão inseridos. Associada aos olhos, que são o “espelho da alma”, refletem o interior psíquico das personagens que se situa a outros níveis presentes na obra, através dos sentimentos dos protagonistas: aqui (hostil) que se opõe ao além (esperança e ilusão fecundante).
· os fios: simbolizam a ligação eterna dos amantes (cartas) que não se desfaz após a morte, é uma união total do par amoroso. Os próprios amantes acreditam nessa união eterna (as cartas são testemunhas dessa teoria). O fio é também o símbolo do destino (mito das 3 moiras). O tempo liga-se directamente ao destino que terá de ser cumprido. Com a morte esse fio quebra-se, Mariana antes de suicidar lança as cartas e o seu avental ao mar reatando de novo os amantes.
· o mar: é fonte de vida, o corpo de Simão, metaforicamente, sítio de renascimento. O mar espelha o céu, espaça onde os amantes poderiam consumar o seu amor puro, pois na terra eram condenados pelos homens.
· o avental: assume um valor polissémico, ligado à condição social de Mariana e o seu sofrimento; ela limpa as suas lágrimas quando chora por Simão. Referências ao seu estado de loucura, quando Simão está na prisão, num caixote encontram-se as cartas de Teresa e o avental de Mariana. A sua simbologia reúne o trabalho e o martírio, significando o percurso de Mariana na terra que é uma forma de purificação.
Desta forma, continua presente, simbolicamente, a tragédia do triângulo amoroso, vitimado por um destino que os conduz à morte, única solução para a realização de uma vida cujos anseios mais profundos das personagens eram irrealizáveis.

· tempo diegético (tempo vivido pelas personagens) – acção decorre entre os finais do século XVIII e início do século XIX.
O tempo diegético (tempo da história) caracteriza-se por:
· a cronologia;
· a linearidade.
Na introdução, abarcam-se 40 anos, são os antepassados de Simão.
A acção decorre em 6 anos (1801 - 1807):
· 1801, Domingos Botelho corregedor em Viseu, Simão tem 15 anos.
· 1803, Teresa escreve uma carta a Simão, revelando as intenções de seu pai de a enviar para um convento.
· 1804, Simão é preso.
· Prisão de Simão de 1805 a 1807. Antes de embarcar para o degredo, fica 20 meses na prisão.
· 17/3/1807, Simão parte para a Índia.
· 28/3/1807, ao romper da manhã, Simão morre.
· tempo do discurso (forma como o narrador elabore o seu relato).
Visto que o discurso é linear, o narrador segue a ordem cronológica dos acontecimentos (podemos referir, no entanto, a analepse em que João da Cruz conta a forma como matou o almocreve; há resumo na introdução).
Conotações simbólicas do estado do tempo:
Simão morre “ao amanhecer, depois de um formoso dia de Primavera” (o dia 28 de Março), que se seguiu a vários dias de tempestade. A primavera e a manhã estão conotadas com a luz, com a pureza de um tempo, ainda libertos de corrupção. Trata-se de um momento de promessa e de felicidade. Assim, da escuridão e da morte, relacionadas com o caos, nasce o amor verdadeiramente purificada por um tempo transcendente ao dos humanos – é o período da realização e da plenitude.
É ainda importante notar que, ao sétimo dia de viagem, acalmou a tempestade – o número 7 corresponde ao dia da Ordem, aquele em que, após a criação do mundo, Deus descansou. O 7 remete para a luz e para a plenitude temporal. E, ao nono dia, Simão delira pela última vez e são as cartas e as promessas de felicidade que ecoam na sua memória. O 9 é o número da gestação, o do final de um ciclo para iniciar outro.

Sem comentários:

Enviar um comentário