IMAGENS QUE PASSAIS PELA RETINA
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, por que não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...
Ou para o lago escuro, onde termina
Vosso curso silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- Por que ides sem mim, não me levais?
Sem vós o que são meus olhos abertos?
O espelho inútil, meus olhos pagãos?
Aridez de sucessivos desertos...
Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual dos meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos.
No soneto “Imagens que passais pela retina”, o eu lírico faz uma série de questionamentos às imagens que vê. A importância atribuída aos “olhos” canal de iteração com o mundo exterior percorrerá todo o poema. Essa alusão aos órgãos dos sentidos, no plano da interpretação, remete às correspondências entre o mundo material e o mundo não-material, de natureza existencialista, apenas sugerido simbolicamente.
No primeiro verso, encontra-se o vocativo “Imagens”, signo que será indagado a responder por que de sua melancolia e existência. No segundo verso, o conflito existencial do eu lírico é confirmado pelas imagens efémeras que passam por sua retina.
No primeiro quarteto, a não fixação das imagens é construída por meio de diversas imagens aquáticas, “água cristalina” e “lago escuro” representado pelo movimento contínuo da água que passa por uma fonte. Essas sugestões carregadas de imagismo proporcionam textos fundados sobre a ambiguidade, transitoriedade e fragmentação.
A imagem da fonte simboliza a uma constância sem retorno. A água metaforizando a retina segue seu percurso sem retrocessos, de forma fugaz. Dessa forma, a imagem da água corrente (“fonte”) funciona como símile (termo de comparação) para o fluxo das imagens e da fugacidade do tempo.
Na segunda estrofe as imagens surgem com um rumo definido, o lago, indicando um lugar “escuro” como símile da ausência desse fluxo, o nada a que elas se reduzem, certamente a morte. Por isso o “lago escuro” é dominado pelo “vago medo angustioso”.
É importante ressaltar que na mitologia greco-latina, o mundo da morte era representado com águas de rio ou lago.
Na terceira estrofe, os olhos sem as imagens que por eles passam, transforma-se em “espelho inútil”, porque já não mais reflete ou pela impossibilidade de retê-las. Faz, então, que eles sejam associados não mais à “água cristalina”, logo se pensa no cristalino dos olhos, mas a seu contrário - “desertos”, na imagem múltipla e impressionante da privação de água e de vida: “aridez de sucessivos desertos”.
Pagão, em seu sentido próprio, indica o não-cristão, aquele que não é baptizado. No poema, em sentido figurado, significa “sem fé, sem crença”, assim, os olhos sem imagens estão como que privados de fé, de crença.
O último terceto inicia-se com o verbo ficar no imperativo, seguindo a imagem da sombra das mãos e a flexão dos “dedos incertos” que exprimem o desejo de agarrar, de deter algo que as mãos possam agarrar, já que os olhos não conseguem fixar as imagens que vêem. No entanto, os movimentos das mãos são inúteis, inconsistentes, fugidios – “movimentos vãos”.
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