quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Violoncelo

Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trêmulos astros,
Soidões lacustres...
_ Lemes e mastros...
E os alabastros

Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
_ Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Camilo Pessanha, in 'Clepsidra' 

O poeta utiliza em sua composição versos isométricos de quatro sílabas poéticas, num pé composto, antipasto, tônicas em primeira e quarta; com rimas perfeitas, regulares e graves.
O metro curto em estrofes de cinco versos com esquema ABAAB exalta o ritmo quebrado e soluçante do texto poético.
As figuras sonoras: aliteração bastante pronunciada de forma a criar uma harmonia musical nos versos, principais consoantes aplicadas; /s,/r, /d, /m/ e /t; assonâncias fundadas na aplicação as seguintes vogais, /a, /e/ e /o/.
A utilização predominante de paroxítonas em um metro par proporciona uma marcha de leitura, suave e cadenciada, a exceção da aliteração em /t, consoante linguodental explosiva, as outras ocorrências sonoras colaboram com uma fluência leitora musical uma das características marcantes desta corrente literária.
Realizando as anotações semânticas do poema, nos veremos diante da alma da criação, baseado em comparações apoiadas em contigüidades e figurações sinestésicas, Pessanha construiu um dos marcos do simbolismo português.
As metáforas sucedem na desconstrução do concreto, dispensando a denotação e sugerindo mediante as figuras de expressão os significados que o leitor deve alcançar.
Pessanha não faz concessões para uma leitura confortável, ele eleva o seu leitor à condição de conquistador, ao desfigurar o denotativo do poema a alternativa que resta ao leitor é a intuição e o tirocínio para realizar as relações mínimas que o texto impõe.

Caminho

Caminho



Tenho sonhos cruéis; n'alma doente 
Sinto um vago receio prematuro. 
Vou a medo na aresta do futuro, 
Embebido em saudades do presente... 
Saudades desta dor que em vão procuro 
Do peito afugentar bem rudemente, 
Devendo, ao desmaiar sobre o poente, 
Cobrir-me o coração dum véu escuro!... 
Porque a dor, esta falta d_harmonia, 
Toda a luz desgrenhada que alumia 
As almas doidamente, o céu d'agora, 
Sem ela o coração é quase nada: 
Um sol onde expirasse a madrugada, 
Porque é só madrugada quando chora. 

II 

Encontraste-me um dia no caminho 
Em procura de quê, nem eu o sei. 
d Bom dia, companheiro, te saudei, 
Que a jornada é maior indo sozinho 
É longe, é muito longe, há muito espinho! 
Paraste a repousar, eu descansei... 
Na venda em que poisaste, onde poisei, 
Bebemos cada um do mesmo vinho. 
É no monte escabroso, solitário. 
Corta os pés como a rocha dum calvário, 
E queima como a areia!... Foi no entanto 
Que choramos a dor de cada um... 
E o vinho em que choraste era comum: 
Tivemos que beber do mesmo pranto. 

III 

Fez-nos bem, muito bem, esta demora: 
Enrijou a coragem fatigada... 
Eis os nossos bordões da caminhada, 
Vai já rompendo o sol: vamos embora. 
Este vinho, mais virgem do que a aurora, 
Tão virgem não o temos na jornada... 
Enchamos as cabaças: pela estrada, 
Daqui inda este néctar avigora!... 
Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho, 
Eu quero arrostar só todo o caminho, 
Eu posso resistir à grande calma!... 
Deixai-me chorar mais e beber mais, 
Perseguir doidamente os meus ideais, 
E ter fé e sonhar d encher a alma. 

Camilo Pessanha, in 'Clepsidra' 

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Analise do "Caminho"
Em “Caminho”, soneto simbolista de Camilo Pessanha, o subjetivismo sugestivo se apresenta em cada parágrafo. O aprisionamento ao passado e à saudade trabalha com as emoções.
A ausência de consonância entre as palavras e o ilogismo põe o leitor a pensar e o incentivam a buscar o lógico para cada verso. O jogo entre o presente e o futuro é um dos pontos de maior evidência no texto, e faz a ponte de um parágrafo a outro, o que se comprova no término do penúltimo parágrafo em “céu d’agora” e no verso “expirasse a madrugada” que praticamente encerra o soneto.
Nota-se ainda que o “eu-lírico” não se separa da saudade por estar agarrado ao presente, e o poeta, de alma doente, viaja ao futuro por um caminho cheio de arestas, mas sabendo que sem a dor, todas as suas ambições humanas morreriam.
Caminho nos mostra uma trajectória de aflição, na tentativa de afugentar a dor e a morte que se fundem com o luto, situações negativas e de sofrimento.
Ao passear pelo texto, encontramos evidências do nosso medo com relação ao futuro e a impressão de que ninguém pode se livrar da saudade sem se desligar do presente.
A linguagem metafórica se confunde com as palavras simples e deixa a marca do simbolismo impressa no decadentismo, no vago, nas emoções, nas interrupções virguladas, onde o poema retrata o poeta (como se narrador), não o escritor.
Em meio ao ilógico, a harmonia só se apresenta na sonoridade das palavras que, pouco a pouco, se transformam em rimas irregulares que compõem este soneto de quatro estrofes formado por dois quartetos e dois tercetos. Também obedece ao esquema ABBA, que é transparente na primeira e na segunda estrofe.

Imagens que passais pela retina

IMAGENS QUE PASSAIS PELA RETINA

Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, por que não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...

Ou para o lago escuro, onde termina
Vosso curso silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- Por que ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são meus olhos abertos?
O espelho inútil, meus olhos pagãos?
Aridez de sucessivos desertos...

Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual dos meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos.

No soneto “Imagens que passais pela retina”, o eu lírico faz uma série de questionamentos às imagens que vê. A importância atribuída aos “olhos” canal de iteração com o mundo exterior percorrerá todo o poema.  Essa alusão aos órgãos dos sentidos, no plano da interpretação, remete às correspondências entre o mundo material e o mundo não-material, de natureza existencialista, apenas sugerido simbolicamente. 
No primeiro verso, encontra-se o vocativo “Imagens”, signo que será indagado a responder por que de sua melancolia e existência. No segundo verso, o conflito existencial do eu lírico é confirmado pelas imagens efémeras que passam por sua retina.
No primeiro quarteto, a não fixação das imagens é construída por meio de diversas imagens aquáticas, “água cristalina” e “lago escuro” representado pelo movimento contínuo da água que passa por uma fonte. Essas sugestões carregadas de imagismo proporcionam textos fundados sobre a ambiguidade, transitoriedade e fragmentação.
A imagem da fonte simboliza a uma constância sem retorno. A água metaforizando a retina segue seu percurso sem retrocessos, de forma fugaz. Dessa forma, a imagem da água corrente (“fonte”) funciona como símile (termo de comparação) para o fluxo das imagens e da fugacidade do tempo.
Na segunda estrofe as imagens surgem com um rumo definido, o lago, indicando um lugar “escuro” como símile da ausência desse fluxo, o nada a que elas se reduzem, certamente a morte. Por isso o “lago escuro” é dominado pelo “vago medo angustioso”. 
É importante ressaltar que na mitologia greco-latina, o mundo da morte era representado com águas de rio ou lago.
Na terceira estrofe, os olhos sem as imagens que por eles passam, transforma-se em “espelho inútil”, porque já não mais reflete ou pela impossibilidade de retê-las.  Faz, então, que eles sejam associados não mais à “água cristalina”, logo se pensa no cristalino dos olhos, mas a seu contrário - “desertos”, na imagem múltipla e impressionante da privação de água e de vida: “aridez de sucessivos desertos”.
Pagão, em seu sentido próprio, indica o não-cristão, aquele que não é baptizado. No poema, em sentido figurado, significa “sem fé, sem crença”, assim, os olhos sem imagens estão como que privados de fé, de crença. 
O último terceto inicia-se com o verbo ficar no imperativo, seguindo a imagem da sombra das mãos e a flexão dos “dedos incertos” que exprimem o desejo de agarrar, de deter algo que as mãos possam agarrar, já que os olhos não conseguem fixar as imagens que vêem. No entanto, os movimentos das mãos são inúteis, inconsistentes, fugidios – “movimentos vãos”.   

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Características da poesia de Camilo Pessanha

Camilo Pessanha foi o poeta mais autenticamente Simbolista de Portugal, e um grande inovador da poética de seu país, cuja influência se estende até os modernistas da geração Orpheu, sobretudo em Fernando Pessoa. Afastou-se do discursivismo neo-romântico dos poetas do seu tempo (Antônio Nobre, Augusto Gil, Afonso Lopes Vieira) e inovou a escrita poética, incorporando procedimentos próximos aos do decadentismo de Verlaine, em especial no que se refere à aproximação entre a poesia e a música.
Apresentando uma visão extremamente pessimista de mundo, a obra poética de Camilo Pessanha sugere uma visão de mundo sobretudo marcada pela ótica da ilusão e da dor.

“O poeta – afirma o crítico Massaud Moisés -, dotado de agudíssima sensibilidade, que se conhece e se auto-analisa, só encontra motivo de ser naquilo de que foge tanto: a Dor, causa e efeito, princípio e fim. É, por isso, o poeta da Dor refinadamente sutilizada e diafanizada, a ponto de se tornar ídolo:

“Porque a dor, esta falta d’harmonia (...) / Sem ela o coração é quase nada.”  

A percepção de mundo em Camilo Pessanha é fragmentária, aparentemente desarticulada, expressa através de sensações que o poeta considera sem sentido. A desagregação formal parece corresponder à desagregação do próprio poeta opiômano, hipersensível e inadaptado.
Lírico da desesperança, da dor e da ilusão, seu pessimismo tem laivos do decadentismo francês e do budismo que conheceu em Macau. É constante a sensação de estranheza diante do mundo, da alucinação, expressas numa linguagem poderosa, sugestiva, tecida com metáforas insólitas, símbolos, sinestesias e intensa musicalidade (aliterações, assonâncias etc.).
Aproximou-se do rigor formal de Mallarmé, sem a determinação intelectual do poeta francês. A intelectualização dos poemas de Camilo Pessanha é marcada pelo pessimismo em relação ao mundo, que lhe parecia em degenerescência. A adesão do poeta à estética decadentista-simbolista não era simples modismo – era existencial.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Simbologia de um título

Camilo Pessanha parece ter ido buscar a este verso de Ch. Baudelaire a palavra/símbolo clepsidra, que elegeu como título do seu único livro de poemas. Tal escolha passa a constituir, desde logo, um primeiro modo de identificação da obra, que leva o leitor a inseri-Ia no movimento simbolista e a preparar-se para penetrar nas «forêts de symboles» de que Baudelaire fala no célebre soneto Correspondances (em Les fleurs du mal).
Se tal atitude não é incorreta, o certo é que a palavra clepsidra assume, na obra de Pessanha, um papel bem mais importante, que abrange o conjunto de textos nela integrados. Vejamos como.
A palavra clepsidra vem do grego kleps-udra, que contém o verbo kleptô (roubar, enganar, dissimular) e o nome udor (água, em várias aceções e, muito concretamente, água da clepsidra), e significa relógio de água para marcar o tempo atribuído aos oradores. É a partir dessa significação primeira que se estabelece o símbolo. Designando (plano denotativo) a fração de tempo correspondente à circulação da água no relógio, a palavra passa a designar, num plano conotativo generalizante, toda a passagem do tempo, logo a passagem da vida e a inevitável aproximação da morte.
A este investimento filosófico do sentido da palavra, tornada símbolo, não será certamente estranho o facto de o objeto que designa estar ligado à oratória, a uma certa utilização erudita (ainda que não forçosamente) da palavra. Aliás, é por via erudita que o termo penetra na língua francesa e, através desta, no português. É também nesta primeira aceção simbólica que Baudelaire claramente a emprega.
Pessanha vai mais longe, ao jogar com este primeiro nível simbólico para, sobre ele, construir um segundo nível que corresponde a uma conotação restritiva. De facto, a palavra clepsidra contém o som terminal (e, por isso, persistente) -idra que, na linguagem oral, se confunde com hidra (em grego udra, serpente de água e, no plano mitológico, Hidra de Lerna). A hidra é um monstro marinho, uma serpente gigantesca, com inumeráveis cabeças que nascem e se desenvolvem à medida que são cortadas, simbolizando a inutilidade da vontade e do esforço humanos perante algo que lhes é exterior e adverso.
Simultaneamente, a hidra simboliza, nas suas múltiplas cabeças, os múltiplos vícios do homem, cuja erradicação se considera impossível e que contaminam não só a sua existência como a sua essência, tomando-o frágil e inepto.

Conjugando o primeiro nível simbólico com os significados específicos da hidra, Pessanha obtém o segundo nível simbólico que restringe o plano conotativo daclepsidra - todo o passar - ao passar da existência humana, tornado inevitável pelas características desta existência. Atente-se no soneto Esvelta surge! ...(nº 11 da Antologia. Vide linhas de leitura):

Sem vil pudor! Do que há que ter vergonha?
Eis-me formoso, moço e casto, forte.
Tão branco o peito! - para o expor à Morte...
Mas que ora - a infame! - não se te anteponha.
A hidra torpe!... Que a estrangulo... Esmágo-a
[...]

A hidra materializa aqui a Morte, a pulsão de destruição, por oposição a Eros, a pulsão de conservação, representada, pelo menos a uma primeira leitura, pela figura feminina.
A palavra clepsidra surge apenas duas vezes no livro de Pessanha: no título e no último texto, intitulado Poema Final

Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da água na clepsidra,
Vagamente sorris, resignados e ateus,
Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.

[...]

o qual exprime uma progressiva quietação, até ao desaparecer da expressão mínima de vida: Não respireis. O respirar implica a existência de vida não apenas fisiológica mas também intelectual: é o circular do sopro anímico, associado à atividade do espírito, à criação. Poema Final, que foi escolhido pelo poeta para fechar a coletânea, significa claramente a última fala, ou seja, a extinção do sopro, a cessação da criação. A clepsidra esvazia-se, o eu extingue-se, o seu verbo esgota-se, a obra termina. A palavra não consegue decepar as inumeráveis cabeças.

De tudo isto, há a reter dois aspetos fundamentais:

1. o facto de a palavra clepsidra estar íntima e originariamente ligada ao próprio exercício da palavra;

2. o facto de, através da sua associação à hidra, a clepsidra designar a fragilidade da condição e do conhecimento humanos.

                                      

Clepsydra

Clepsydra de Camilo Pessanha é publicada pela primeira vez em 1920. A edição para a qual aqui remetemos é a da revista Colóquio/Letras, que conta com as seguintes trinta e sete composições: Inscrição; Desce enfim sobre o meu coração;Tatuagens complicadas do meu peito; Quando?; Fonógrafo; Viola Chinesa; Ao longe os Barcos de Flores; Meus olhos apagados; Chorai, arcadas; Na cadeia os bandidos presos!Depois da luta e depois da conquista; Se andava no jardimVoz débil que passas; Passou o outono já, já torna o frio…Desce em folhedos tenros a colinaEsvelta surge! Vem das águas, nuaSingra o navio. Sob a água clara; Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho?Imagens que passais pela retina;Quando voltei encontrei meus passosDepois das bodas de oiro; Crepuscular; E eis quanto resta do idílio acabado; Floriram por engano as rosas bravas; ? (incipit: “Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,”); Ó Magdalena, ó cabelos de rastosÓ meu coração, torna para trás; Foi um dia de inúteis agonias; Branco e Vermelho; Queda;Rufando apressadoAo meu coração um peso de ferroÀ flor da vaga, o seu cabelo verde; Estátua; Em Um Retrato; Porque o melhor, enfim; Final.
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Sobre o título, diz-nos Tereza Coelho Lopes que Pessanha provavelmente o seleccionou do poema L’horloge, de Baudelaire, que, como referimos atrás, em Considerações sobre o Simbolismo, foi um dos precursores do movimento: “Le gouffre a toujours soif; la / clepsydre se vide”. A palavra “clepsidra” é empregada somente duas vezes: no título e no poema “Final” (“E escutando o correr da água na clepsydra”), que, retomando o início da obra, a conclui. Simboliza o tempo, o conflito entre o passado e o futuro, tão próprio da poética de Pessanha.
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O desacordo, a ambiguidade, a oposição são constantes ao longo da Clepsydraque, segundo António Falcão Rodrigues de Oliveira , tem quatro grandes temas: a Dor, a Solidão, a Morte, a Transitoriedade e a Fuga para o Nada. A par destes temas, característicos do Simbolismo e da literatura finissecular, e com eles interligados, encontramos inúmeras imagens, das quais salientamos: a) imagens visuais que sugerem cor (vejam-se por exemplo os poemas: Branco e Vermelho; Final; Tatuagens complicadas do meu peitoÀ flor da vaga, o seu cabelo verde); b) imagens auditivas, a lembrar sons, melodias (poemas: Viola Chinesa; Ao longe os Barcos de Flores; Chorai, arcadas). A estas últimas correspondem algumas das linhas de força da poética de Pessanha:

- “a identificação (já verlainiana) entre poesia e música;”


- “a euritmia e a valorização fono-simbólica do texto poético (em que o som alude, com o seu poder evocativo, a uma realidade externa não cognoscível racionalmente)”. 

Clepsydra é pois um marco do Simbolismo português. Reúne poemas compostos por Pessanha ao longo de vários anos, tantas vezes por ele declamados entre amigos e tão apreciados por grandes figuras da Literatura Portuguesa como Eugénio de Andrade, José Régio, David Mourão-Ferreira, Fernando Pessoa ou Mário de Sá-Carneiro. Este último diria, em resposta ao inquérito “O mais belo livro dos últimos 30 anos”: “À minha vibração emocional, a melhor obra de Arte escrita dos últimos trinta anos (que a Arte timbra-se para os nervos a vibrarem e não para a inteligência a medi-la em lucidez) é um livro que não está publicado – seria com efeito aquele, imperial, que reunisse os poemas inéditos de Camilo Pessanha, o grande ritmista”. A obra, “imperial”, encontra-se hoje ao alcance de todos nós e podemos portanto ter a honra de segurar a colectânea nas nossas mãos e de nos deleitarmos com os poemas da Clepsydra.

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Simbolismo

O Simbolismo é um movimento literário que surge em finais do século XIX e que tem por base o conceito de símbolo. Com Baudelaire como um dos mais influentes precursores, esta arte da sugestão é teorizada em 1886 por Jean Moréas com o seu “Manifeste Littéraire de l’École Symboliste”, publicado no Figaro. A este escritor juntam-se nomes como Rimbaud, Mallarmé, Paul Verlaine, Jules Laforgue, Gustave Kahn, Pierre Louys, Stuart Merrill, Robert de Montesquiou, Saint-Pol Roux, Charles Morice, Rémy de Gourmont, o americano Francis Vielé-Griffin, o belga Verhaeren, bem como tantos outros.

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Em Portugal, o Simbolismo, de origem francesa e com uma enorme influência de Verlaine, está intrinsecamente ligado à noção de decadência e ao pessimismo próprio desta. É uma corrente que reage contra o positivismo científico, o materialismo, a disciplina e o realismo parnasianos. Procura a espiritualidade, a transcendência física, a imaginação, proclama o ideal (parnasiano) da arte pela arte e afirma-se sobretudo na poesia (a poesia pela poesia). Anunciado em 1887 n’ A Província, dirigida por Xavier de Carvalho, o Simbolismo surge em 1889 nas revistas rivais Boémia Nova (Alberto de Oliveira, António de Melo e António Nobre) e Os Insubmissos (Eugénio de Castro, Francisco Bastos e João Meneses), e é finalmente em 1890 que Eugénio de Castro publica Oaristos, obra cujo prefácio apresenta o programa do Simbolismo. Neste prefácio, critica a poesia portuguesa da época que diz assentar “sobre algumas dezenas de coçados e esmaiados lugares comuns”, a “pobreza franciscana” das rimas e do vocabulário. Propõe: “a liberdade do ritmo”, versos “alexandrinos de cesura deslocada e alguns outros sem cesura”, “a adaptação do delicioso ritmo francês rondel”, “o processo da aliteração”, ornar “os versos de rimas raras, rutilantes”, vocabulário “escolhido e variado” e “algumas palavras menos vulgares”.

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Entre os escritores portugueses com textos marcadamente característicos deste movimento ou simplesmente com traços simbolistas, figuram pois os já acima mencionados e ainda: Camilo Pessanha, Luiz de Borja (pseudónimo dos escritores Raul Brandão, Júlio Brandão e Justino de Montalvão), Alberto Osório de Castro, José Duro, D. João de Castro, Roberto de Mesquita, Teixeira de Pascoaes ou António Patrício.
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Apesar de este movimento ter sido introduzido por Eugénio de Castro, seria Camilo Pessanha o expoente máximo do Simbolismo em Portugal, publicando já em 1887 o tríptico de sonetos simbolistas mais tarde intitulado “Caminho” e que viria a fazer parte da Clepsydra.
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A poesia de Camilo Pessanha reúne os aspectos mais marcantes da escola simbolista. Aliado ao conceito de símbolo, encontramos a arte da sugestão que em Pessanha se traduz na utilização da técnica impressionista, na imagem visual e sonora, com a finalidade de sugerir sensações e convidar o leitor a interpretar estados de alma, sem nunca se deter “na descrição que levaria à objectividade. Por isso, porque propenso ao sonho, pensa por associação de ideias, sem propender para o Infinito. Aliás, como diz João Gaspar Simões, “O vago, o indefinido e o astral do “saudosismo” aparentavam-se muito mais ao barroquismo verbal e à eloquência sentimental de Junqueiro que a essa espécie de catarsis, toque essencial da poesia de um Camilo Pessanha”.

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O termo “decadência”, também fulcral na poesia simbolista, está bem espelhado no pessimismo de Pessanha, na sua angústia que também é a do povo português, na sua “lírica da agonia, do afogamento, do naufrágio”, no saudosismo do “poeta das coisas interiores e fugidias, da realidade depurada, subjectiva, irreal. Recorda interior e não exterior, pessoal e não social, íntimas sensações, sentimentos visões”.

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A título de conclusão, resta-nos fazer uma breve referência ao movimento que a escola simbolista anuncia e até mesmo prepara: o Modernismo. Os seus principais mentores serão Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, o qual revela grande interesse pela poesia de Pessanha, pedindo-lhe por carta a permissão e “a honra de publicar umas dez a vinte páginas da sua colaboração” e diz-nos ainda que “Entre os poemas que era empenho nosso inserir contam-se os seguintes: “Violoncelos”, “Tatuagens”, “O Estilista” (só conheço, deste, o segundo soneto), “Castelo de Óbidos”, “O Tambor”, “Nocturno”, “Passeio no Jardim”, “Ao longe os barcos de flores”, “O meu coração desce…”, “Passou o Outono já”, “Floriram por engano as rosas bravas…”, “O Fonógrafo”,  destes poemas eram já conhecidos pelo público, ou porque Pessanha os declamara ou porque teriam sido já publicados em jornais e revistas portuguesas dispersas. Mas, seria somente em 1920 que Pessanha veria Ana de Castro Osório publicar a Clepsydra, uma colectânea composta por trinta e sete poemas.

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