sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Clepsydra

Clepsydra de Camilo Pessanha é publicada pela primeira vez em 1920. A edição para a qual aqui remetemos é a da revista Colóquio/Letras, que conta com as seguintes trinta e sete composições: Inscrição; Desce enfim sobre o meu coração;Tatuagens complicadas do meu peito; Quando?; Fonógrafo; Viola Chinesa; Ao longe os Barcos de Flores; Meus olhos apagados; Chorai, arcadas; Na cadeia os bandidos presos!Depois da luta e depois da conquista; Se andava no jardimVoz débil que passas; Passou o outono já, já torna o frio…Desce em folhedos tenros a colinaEsvelta surge! Vem das águas, nuaSingra o navio. Sob a água clara; Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho?Imagens que passais pela retina;Quando voltei encontrei meus passosDepois das bodas de oiro; Crepuscular; E eis quanto resta do idílio acabado; Floriram por engano as rosas bravas; ? (incipit: “Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,”); Ó Magdalena, ó cabelos de rastosÓ meu coração, torna para trás; Foi um dia de inúteis agonias; Branco e Vermelho; Queda;Rufando apressadoAo meu coração um peso de ferroÀ flor da vaga, o seu cabelo verde; Estátua; Em Um Retrato; Porque o melhor, enfim; Final.
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Sobre o título, diz-nos Tereza Coelho Lopes que Pessanha provavelmente o seleccionou do poema L’horloge, de Baudelaire, que, como referimos atrás, em Considerações sobre o Simbolismo, foi um dos precursores do movimento: “Le gouffre a toujours soif; la / clepsydre se vide”. A palavra “clepsidra” é empregada somente duas vezes: no título e no poema “Final” (“E escutando o correr da água na clepsydra”), que, retomando o início da obra, a conclui. Simboliza o tempo, o conflito entre o passado e o futuro, tão próprio da poética de Pessanha.
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O desacordo, a ambiguidade, a oposição são constantes ao longo da Clepsydraque, segundo António Falcão Rodrigues de Oliveira , tem quatro grandes temas: a Dor, a Solidão, a Morte, a Transitoriedade e a Fuga para o Nada. A par destes temas, característicos do Simbolismo e da literatura finissecular, e com eles interligados, encontramos inúmeras imagens, das quais salientamos: a) imagens visuais que sugerem cor (vejam-se por exemplo os poemas: Branco e Vermelho; Final; Tatuagens complicadas do meu peitoÀ flor da vaga, o seu cabelo verde); b) imagens auditivas, a lembrar sons, melodias (poemas: Viola Chinesa; Ao longe os Barcos de Flores; Chorai, arcadas). A estas últimas correspondem algumas das linhas de força da poética de Pessanha:

- “a identificação (já verlainiana) entre poesia e música;”


- “a euritmia e a valorização fono-simbólica do texto poético (em que o som alude, com o seu poder evocativo, a uma realidade externa não cognoscível racionalmente)”. 

Clepsydra é pois um marco do Simbolismo português. Reúne poemas compostos por Pessanha ao longo de vários anos, tantas vezes por ele declamados entre amigos e tão apreciados por grandes figuras da Literatura Portuguesa como Eugénio de Andrade, José Régio, David Mourão-Ferreira, Fernando Pessoa ou Mário de Sá-Carneiro. Este último diria, em resposta ao inquérito “O mais belo livro dos últimos 30 anos”: “À minha vibração emocional, a melhor obra de Arte escrita dos últimos trinta anos (que a Arte timbra-se para os nervos a vibrarem e não para a inteligência a medi-la em lucidez) é um livro que não está publicado – seria com efeito aquele, imperial, que reunisse os poemas inéditos de Camilo Pessanha, o grande ritmista”. A obra, “imperial”, encontra-se hoje ao alcance de todos nós e podemos portanto ter a honra de segurar a colectânea nas nossas mãos e de nos deleitarmos com os poemas da Clepsydra.

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